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quinta-feira, 27 de março de 2014

A menina da flor boa-noite

Para a princesinha Ianie David Céo, minha netinha que cuida das plantas e das flores.



O DIA se espreguiçando, um passarinho bicou na janela do quarto de Ianie: tac, tac, tac!
Ianie acordou, prendeu o cabelo, vapt com a escova nos dentes, com o short, com o tênis e saltou à janela para voar com o passarinho - ela pelos caminhos. Com pouco, chegaram ao Recanto da Flor Boa-noite, depois do riozinho, onde as crianças passavam horas a brincar com os animais.  Só que.... Só que Seu Rudão estava lá com o seu trator.
  Seu Rudão não respeitava a Natureza, queria deitar todas as árvores, e estava decidido a acabar com aquele mundinho de flor, e de recreio, para plantar pés de dinheiro no lugar ele gritava isso, do trator.
  Vovó Coruja, que havia enviado o passarinho atrás da menina Ianie, chamou o papagaio Zeca às escondidas e o mandou buscar a ajuda do velhinho delegado.
  Enquanto isso, Seu Rudão berrava à menina Ianie: 
  — Saia daí menina, senão eu passo em cima de vocês!
  E Ianie, corajosa: 
  — Não saio! Ninguém sai!
  Mas não foi preciso ninguém sair, porque o velhinho delegado chegou com seus ajudantes e deu voz de prisão a Seu Rudão.
  Preso, o homem mau adoeceu na cadeia. E a menina Ianie, sabendo que o chá da flor boa-noite o poderia curar, não hesitou em lhe levar, todos os dias, o remédio.
  Curado, e envergonhado pelo que queria fazer à Natureza e à vida dos animais, Seu Rudão queimou o seu trator e sumiu da Vila.

                                                                         FIM

  Fim, nada. Uma menininha de maria-chiquinha no cabelo, da terceira fila da classe, se levantou e perguntou:
  — E a menina Ianie?
  E o velhinho zelador da escola, vestido de Delegado da Vila, passou à frente da professora, que representava Vovó Coruja, respondeu:
  — A menina Ianie? Ela passou a ser conhecida por “a menina da flor boa-noite”. E toda vez em que ela saía de casa, as pessoas paravam para dizer: “Olhe lá, a menina da flor boa-noite! Ela é linda, não é? Sim, ela é uma flor!
  Aí a apresentação teve o seu fim com o “Ah, tá!” da menininha de maria-chiquinha.



(Essa historinha© foi apresentada em algumas escolas e simpósios de Educação Ambiental como um dos ativos à conscientização da preservação da Natureza ao público infantojuvenil).





quarta-feira, 19 de março de 2014

Mariinha Mineirinha


ZÁS! Salta à ruazinha Mariinha Mineirinha. Xap! Xap! A curva da corda do pula corda cutuca a rua de chão. Entra! Entra! ― gritam os batedores, e Mariinha entra no pula corda. Xap! ― A curva da corda levanta poeira, e os pezim de Mariinha, plaft, plaft, tamborilam no chão.
      Atrás de Mariinha e o pula corda, a igrejinha. Há quermesse: bandeirinhas, luz de rojão que ficou no ar, cãozinho prali, pracolá, povo vestindo a tear. Um menino, remûe na testa, corre... Ao pula corda? Nada. Vem é a gritar: “Mariiinhaaa! Saiu o bolim de mio frito!”.
    Mariinha nhac, nhac os bolinhos de milho da quermesse. A ponta da trança do cabelo, tibum no suco de ananás. A mãe se inclina: “Ó Mariinha, come devagá!”. O pai coça o cocoruto: “Deix’ela, coitadinha!”.
           O sol bate nu’a cumeeira colonial, e um  raio dele escapole pro céu e vira lua; luadia. Dois pombinhos na ponta da cumeeira quietam o facho do namoro - sob o sol e a lua - pra espiar Mariinha na rua. Ih! Ela põe língua a eles, e eles, no chispar do lápis estão na outra ponta da cumeeira; e crroo, crroo, crroo recomeçam o facho.
        Praft, praft, e Mariinha  volta do céu; do céu da Amarelinha. Amarelinha traçada a graveto na rua. Quiçá seja bem-te-vi, o passarinho que a vê pular. Ou um canarinhão, canarinho que o lápis borrou de não caber num ninho. Que singular passarinho! Dum lado é verde, corzinha dos sonhos dos meninos; do outro é terra, corzinha dos pezim de Mariinha.
           À frente de uma casa, uma mulher de riscos magros e saia torta. Diz o tino qu’ela saiu pra ver na rua os meninos; eles no Coelhinho Sai da Toca. Braços pra cima, cabelo em cinco traços, ela ouviu de Mariinha: “Coelhinho sai da toca, um, dois, três!”. Será que a mulher sonha ser do caçador a perdida coelhinha?
           “Se aquieta,  Mariinha!” ―  a mãe lhe aponta a cama. Mas, ah, não! Agora a rua estava vazia. Agora não tinha ar de graça nenhuma, e o homem fecha o caderno de desenho das crianças. Mas, saudoso, volta ao desenho em que Mariinha dorme e diz: “Vai, Mariinha Mineirinha, acorda. Vai!”




quinta-feira, 13 de março de 2014

Amor e dor nas águas de março

         O velhinho da pipoca viu-os chegar na Praça das Acácias e se sentarem no banco sob uma das acácias dormidas. O homem, grisalho, o saudou cortesmente, seguido pela mesma amabilidade da mulher.
       Trajavam tecidos  leves  em cinza claro;  um pouco diferente das roupas do dia a dia. O homem, camiseta larga e calça presa por cordão; a mulher, cabelo rente à nuca, se elegantizava de brincos, pulseiras, e vestia blusa à cintura e saia comprida.
        O velhinho, para fruir da melhor sombra, aproximou-se deles com seu carrinho. Sem que intentasse ouvi-los, ouviu a mulher iniciar a conversa, depois de um suspiro:
         ― Então é  esta  a praça  que tanto falas.  Há quanto  tempo não vens aqui?
           ― Há um ano. Estive aqui diinhas antes das águas de março.
           ― “São  as  águas  de  março  fechando  o verão”,   ela  cantou  o  verso de Jobim.
          ― Linda canção. Mas a mim, águas de março me lembra um caso, disse ele, jogando a perna sobre a outra. Um caso de amor e dor. Esta praça é parte deste caso, porque aqui um homem passava horas a falar com o amor da sua vida. Fala não a tête-à-tête, não sei se você entende.
           ― Sim, entendo como falar ao telefone.
         ― Também. Mais  comumente  pelo computador.  Aqui, coisa  de quatro anos atrás, ele a viu na tela. Viu-a como se visse uma flor; e ela o sentiu como o seu primeiro amor. Riam-se dos beijos trocados na tela, e ele traçou plano, se pondo à frente dele como um pássaro a cantar na sua janela. Mas um plano, e outro, por conta dos temperos da vida, falhavam; não rimavam com o que lhe palpitava o coração. Aqui, na praça, ele fechava os olhos para ela; ela somente sua, e o mundo somente deles. Um dia, se lhe abriu o estágio acima da esperança: a verdade de se ir para ela já era mais certa que o sol. Antes das águas de março, inundar-se-ia de alegria no colo dela. Porém, o sol da sua estrada falhou, e uma enorme fenda se abriu entre eles, posto que ela tomasse o rumo de outro coração. Daí, o seu grande amor, a se ver sozinho, sem ideia de destino, entregue como um barco perdido, caiu nas águas paradas e gélidas que levam a outra vida: ele foi encontrado, de rosto sobre os braços, nalguma destas mesinhas.
       O silêncio que se fez ao seu relato foi tão dormido quanto às acácias. A mulher, comovida, deitou o rosto no seu braço, e os olhos do velhinho das pipocas receberam um pouco das águas de março. Antes de se levantarem e sair, ela, ainda tomada de emoção por aquela história de amor e dor, quis saber:
       ― Conheceste esse pobre homem?
       ― Sim. Muito. Esse homem era eu.
       Eles se foram. Aos olhos do velhinho da pipoca, conhecido por “O que vê coisas”, esvaíram-se logo adiante, e para nunca mais ali na praça.





sexta-feira, 7 de março de 2014

Os dias internacionais de Karen

Uma troca de olhar, e o quê que dele escapou fez seu coração bater a pêndulo. Foi como se o procurasse desde outro mundo. Então o cuco da sua alma cantou, ela se fez em Sherlock e o viu entrar no número 234, de três andares. Esperou-o sair, e o seguiu até um bar, onde lhe esperava uma mulher. Sem pestanejar, bateu atrás: “Oi meu amor!” Ele, atônito: “Meu amor?!” “Ué! Não?!” ― Ela disse, e eles pegaram caminhos opostos na calçada.
       Novo dia, e, no caminho do ofício de Sherlock, o ofício do chaveiro. Mais tarde: “Pronto, senhora; aqui, as chaves.” Assim, ela o pegou dormindo e se deitou ao seu lado. Como se fosse em sonho, entregue à louca poesia que o corpo dela escrevia no seu, ele a amou. Mas que acordou, que deu-se conta... “Como entrou?”. “As portas ao trinco.” “Saia!”. “Sim.” Disse, manhosa, tentando prender o sutiã. “Me ajuda aqui?”.
      Novo dia, ela tirou da bolsa a agendinha dele. Ligou, ele desligou. Aí, num relance de ideia, falou com um amigo da lista; um médico, que a recebeu no consultório. Mais tarde, foi postar-se à frente do 234, a gritar que o amava. Gritou até um vizinho sair à janela: “Deixa essa maluca subir!”. Sim, ela subiu, se colou a ele, como que por encaixe, e que o mundo se acabasse ali.
       No entanto, ao tentar se sair dela, acabou por jogá-la ao chão. E ela, naquele silêncio pesado, ergueu-se, mostrando que ainda lhe brilhava no rosto o amor que por ele sentia. Daí, entrou no banheiro para recompor a pintura e ir-se embora e não mais voltar ali; mas do banheiro não saía.
      Passos pra lá e pra cá, ele resolveu forçar a porta, e a encontrou caída, com o punho ensanguentado. Desvairado, medo da situação, ligou para o amigo médico, que, daí a instante, diria: “Ela ainda está viva. Vou estancar o sangue aqui mesmo. Assim a Polícia... Vá pela cidade, amigo. Te ligo, vai.” E ele saiu para um trago em cada bar.
       Enquanto isso, no seu apê... “Ótimo, Karen. Seus dias de luta foram internacionais. Ele precisa de um amor como o seu... Lave essa tintura do pulso. Aplicarei a anestesia para a tatuagem à cor da pele, enfaixarei seu punho, e você ficará aqui por uns dias... Direi a ele que o verdadeiro amor surge, às vezes, de um momento difícil.”.
     Karen ainda se lembra do ramalhete que ele lhe trouxe, pela sua recuperação. Eles se casaram, eles se amam, e o médico e a sua mulher são seus melhores amigos, além de padrinhos do seu filho.