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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Luarzinha e a Feroz Arara-Mamãe

Corisca
                                    Para a menininha Lara David Céo, a Luarzinha.

O CARRO enguiçou, eu me enveredei por um caminho da mata; uma casinha, adiante. Ques coisas, de lugar! Só que surgiu um casal de araras-vermelhas, e elas aprontaram um pam-peiro sobre mim
    E olha só: aquelas araras tinham nome. Sim! A mamãe, Corisca; o papai, Molengo. Eu soube, porque vovó Maria Flor e sua netinha Luarzinha, as donas da casa, saíram a ralhar duro com elas: “Corisca! Molengo!”. Assim, as barulhentas me deixaram em paz.
   Daí, depois do cafezinho com biscoito frito, a menininha Luarzinha foi me falar de uma histó-ria da feroz arara-mamãe.
   Um caso assim: Molengo não chegava com a comida, Corisca foi atrás. Aí que está: foi Corisca sair, Luarzinha e sua vovó, estando elas à janela, viram dois homens a passar com es-pingarda e gaiola, rumo ao ninho com dois filhotes.
      E aí… Bom, Corisca chegou com comida no  bico, não viu  seus  petititos. Mas os viu na gaiola dos homens. Uh, uh! Mamãe Corisca soltou um grito forte, se arrepiou e virou um corisco atrás dos homens maus.
     Eles se enfiaram num rancho. Um, saiu para matá-la. Só que, amoitada, Corisca voou que nem estrela cadente e, vapt!, arrancou a orelha do homem mau. Daí foi a vez do outro: Corisca, quieta, contou os tiros que ele deu, voou que nem u’a bala e, vupt!, arrancou o nariz do ladrão de ararinhas-vermelhas.
     Final da história: a Polícia de Vila Matinha, ali perto, ouviu os tiros e prendeu os homens, no rancho. Com eles, uma gaiola destroçada. E aí, que Luarzinha e sua vovó Maria Flor viram, olha lá Corisca com seus dois filhotes nas garras, a caminho do ninho… Ques coisas, de alegria!
    Alegria, alegria, tristeza para mim, porque ouvi a buzina do carro-socorro, na estrada. Mas agora, eu sou convidado a ir à casinha delas. Irei, sim. Só que Luarzinha terá de avisar à arara-mamãe Corisca que sou eu. Senão, vou não.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Uma Aventura da Menina Gabriela

Gahbi, Gabriela Ferro Oliveira, beijo do vovô


    VILA da Lua!
   É chamada assim, porque a Lua Cheia não sai do seu céu. Quantas historinhas se tem de Vila da Lua! Alegres, mágicas, e outras de aventura, como esta da Gahbi, a menina que ganhou novos amiguinhos ani-mais.
    Foi assim:
   Um dia, Gabriela ouviu que o Senhor Feio havia amarrado seus animais em galpão e não lhes dava comida nem água. Aí, você já viu… A se esconder pe-lo caminho, ela chegou ao galpão. Realmente, lá es-tava o cãozinho que já não latia, o porquinho que já não roncava, o cavalinho que já não rinchava, o galo que já não cantava e o papagaio Zeca, que já não fa-lava. Quanta maldade, ó, São Chiquim de Assis!
   Então Gabriela voltou à hortaliça da sua casa, fez do vestido, cesta, e levou legumes e verduras para os famintos. Com o Senhor Feio dentro do rancho, a be-ber e a ouvir ao rádio na maior altura, a menina bus-cou água no corguinho para os coitados.
    Aí, dia lá, que Senhor Feio acordou, cadê os animais? Porque Gahbi os havia desamarrado, eles fugiram para o sítio dela. E ao vê-la a tratar bem deles, Senhor Feio se invejou e foi ao Velhinho Delegado denunciá-la por roubo de animais.
    Ah! São Chiquim de Assis, e agora?
    Agora, que, da apuração, Gabriela iria pegar o castigo de não mais sair de casa, perder o ano da escola, não brincar na pracinha, não colher florezinhas no campo etc., além de pagar multa. Iria, porque, sabe o que aconteceu? Os animais se adentraram na Delegacia, e, de cima do ca-valinho, Zeca contou a história e o que Gahbi fez por eles. Com isso, o Velhinho Delegado agra-deceu à Gabriela por salvar os animais e deu ordem para jogar Senhor Feio no xadrez.
   Foi festa só, na pracinha de Vila da Lua. Que bonito! Que legal, o cãozinho a latir, o porquinho a roncar, o cavalinho a rinchar, o galo a cantar, e o Zeca, todo-todo no ombro da Gahbi, a falar mais que o homem da cobra. Mas…. “Por São Chiquim de Assis! Cala o bico, Zeca!” — as crianças Xande e Bianca gritaram, das suas janelas.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Xande e o Doce Ladrãozinho

   
Xande, Alexandre Ferro Oliveira, beijo do vovô


Os dias em que Xande passa com o Vovô, no sítio, não sai da varanda. É aquele negócio de rabiscar desenhos e ouvir o corguinho a cantar. Sem esquecer, claro, do saco de caminhão-zinhos debaixo da sua cama
E o Vovô, depois dos afazeres, pega a assar pãezinhos. Numa dessa, que o Xande foi ao quarto e voltou, dos pãezinhos em cima da mesa da varanda, um estava furado; o miolo mexido.
— Não fui eu, Xande! — o Vovô disse de lá, porque Xande reclamou.
Para acabar com aquela história, o Vovô assou mais pãezinhos, e Xande foi ao quarto. Havia-se lembrado do jogo de dominó e de varetas. Que voltou, olha mais um pãozinho furado, o miolo mexido. Melhor: roubado.
— Não fui eu, Xande! — o Vovô disse de lá, porque Xande reclamou e já saiu para o corguinho, meio que embirrado.
Foi ao corguinho para ver os lambaris a nadar. Algo, porém, o fez parar e se amoitar a um arbusto: um Socozinho, a pescar, jogava pedaços de miolo dos pãezinhos na água, como isca. Não deu outra: depois de xingar o Socó de “doce ladrãozinho”, foi chamar o vovô.
E agora, se você olhar com os olhos da alma, eles estão deitados atrás do arbusto, e Xande quase em cima das costas do vovô, ambos admirados com a pescaria do Socozinho. Mas o Xande, que tanto pediu silêncio ao vô, deixou escapar “Oba!” do tamanho do céu, quando Socozinho pescou uma piaba e a engoliu de duas, três vezes. Aí foi a vez de o Vovô reclamar do barulho do netinho:
— Aí, ó! O Socó foi embora.... E eu queria vê-lo pescar outro peixinho, Xande. Viu, o que você fez? Vamos embora também, que eu fiz molho pra gente passar no pão.
Mas eles se acertaram, pelo caminho. Vovô jurou que o Socó iria aparecer, no outro dia. Era só deixar pãozinho francês para ele, na mesa da varanda.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Prosa para Bianca

Para Bianca cintilada, o beijo do vovô.



Bianca
    Nem a estrela que ficou entre as púrpuras da aurora, nem quando o vento melancólico geme, e os pás-saros o animem com o revoar na mata, e nem que o sabiá cante por nuvens cinzas dalém da serra, na-da me faz fechar os olhos a me sentir tão bem quanto o arzinho de que Bianca já está em viagem.
   Nem que a rosa se faça em cá-lice para o orvalho, e este só quer é brincar de branquear a borda das suas pétalas, nem que o silêncio da madrugada me farfalhe versos da chuva no rio, da qual os pingos saltam como bolinhas de vidro ao sol, nada me faz fechar os olhos a me sentir tão bem quanto o arzinho de que Bianca está para chegar.
    Nem quando se liberta a aura do perfume matinal, que é o aviso do reacender-se das florezinhas campais, e que o cardume de pi-rilampos, que se passam por estrelas no meu quintal, foge do dia... Nada. Aliás, só uma coisa me fez fechar os olhos a me sentir tão bem com o arzinho de que Bianca já chegou: foi aquela estrela den-tre as púrpuras da aurora, que, antes de se sumir no céu, me fez saber que havia sido ela que me cintilou Bianca.



Uberlândia, 1/11/2019


terça-feira, 24 de setembro de 2019

Meu filho

A calmaria da Vila, é a calmaria da Vila. Seduz tanto, que creio se fazer de palco do vento; vento que enreda coisas à copa das árvores e cochicha seus longes aos pássaros. O sol hoje dá cores cambiantes ao rio e ao céu, mas não difusa a cor da parede da sumaúma do fim da vila, à qual eu me sento para não pensar em nada. Aí, a caminho do meu introverso, um incomum: uma mulher a olhar para o campinho de futebol. Me achego a ela, ao seu rosto simples, anestesiado em dor, acho. Um rosto a se quebrar de seco, encovado, olhos amiudados pela fundura. Sem que eu pergunte, ela diz a meio sorriso, sem tirar os olhos do campinho sem bola, vazio: 
— É meu filho… Doze anos! Arrumo a cama dele e corro aqui, toda manhã, para vê-lo jogar o seu futebol com os outros.


 [Casa de Maria, Vila Ponta de Pedras, Rio Tapajós, Amazônia, 19 de setembro de 2019]




quarta-feira, 14 de agosto de 2019

La dernière valse

EU NUNCA fui, assim, de circo. Mas confes-so: amava a euforia da cidadezinha com o circo. Tudo mudava. Tudo. Menos eu. Sem onde procurar a esperança de amor, alvo da arte tétrica de um adeus, tentava-me salvar nas machadianas e nas flores de Cecília Meireles. De olho no emocional, fugia da mú-sica, embora meu coração se trucidava por La dernière valse, com Mireille Mathieu. 1967, eu sei.

O perna-de-pau, e as crianças o seguindo. Mi-nha alma respondia: “Tem sim siô!”. E que o quarto me chamou para o sábado com Solom-bra, de Cecília, ouvi: “Assistam à mulher de olhos com pingentes de estrela a dançar uma grande valsa!”. Não pelos olhos, também não soube o porquê, mas me vi à bilheteria.

Irreflexo, comprei do florista rosas verme-lhas... (Perdão.... Aos 80 anos, a gente chora com o lírico...). De frente ao palco, oh, podia-se nadar nos meus olhos. Ouvi La dernière valse, e me arrepiei à sensibilidade da bailarina.

Meus olhos jorrantes me levaram ao camarim e ofereci a ela, aquela deusa-ísis, as rosas. Saltou de mim um dos versos da valsa, Mon coeur restait seul sans amour - 1., ela correu a mão no meu rosto, me olhou, me abraçou... Como ela me abraça agora, e o fez por mais de 50 anos em que estamos juntos. Sabe, me saem lágrimas se ouço La dernière valse.


- 1 : O meu coração estava sozinho, sem amor.




quarta-feira, 3 de julho de 2019

O gatinho sem-vergonha

O que eu queria falar, é que, hoje, a educação à criança, inquieta. Vejo aí: é fio de cabelo que voa, e é difícil à professora pôr limite. Não todas, mas penso que as mães não sentem na professora, uma aliada. Ou estou errado? Já no meu tempo, o limite era, quer ver, tal um fio desencapado a 5000 V.

E no meu pé, três limitadoras: mamãe, madrinha e professora, a quem fui um doce. Falar nisso, pelo meu Boletim azul, ganhei o doce de figo com cravo e calda grossa. Comi, quis mais, mas engoli o limite de 2 figos, 2x/semana. Pior: o doce foi parar no céu da prateleira. É, mas o tal aqui arranjou de subir, na calada da noite, ao pote.

Só que houve um porenzito: plaft! troct! trept! catraf! Caiu tudo! Fui raio pra cama, e todos, inclusive madrinha, nossa vizinha do lado, pasmos. Eu, que dormia pras estrelas, madrinha foi ver se eu estava coberto, e viu o meu gatinho Teco, no muro: “Ah! Comadre, ó aqui o autor dessa bagunça!”.

Mamãe, uma onça com o Teco. De sem-vergonha, e coisa e tal, jurou pegá-lo à vassoura. Aí, dia claro, ao sair pra escola, olha o Teco a me olhar… Que olhar de tadinho! E juro pela saudade das limitadoras que o meu remorso a isso até hoje é algo assim, sabe, que não sei explicar… de tão sem limite.


segunda-feira, 24 de junho de 2019

Paris! Paris! Paris!

“Será que é a gente mesmo, em cimão da Torre Eiffel? Nossinhora! Arrocho-a num abraço, e com mais um pouco estamos na Notre-Dame. Ques coisas de bonito! Tomados de espanto, abraço-a ainda mais, e, abraçados, as nossas pernas vão-se troçando pela Champs-Elysées...”

Acontece que a verdade é aqui, em Minas Gerais. No meu chãozinho em Minas, em que há esse negócio da manhãzinha entrar pelas gretas do telhado e a mãozinha dela, grossa da lida, a apertar a minha (Siô do Céu! Que bom que é a sua mãozinha de serviço de roça na minha, assim que a gente acorda... Nó!)

E é assim: toda vez que eu sonho, não sei como, ela sabe que estou sonhando. Hoje, justifiquei o sõe: “Foi de tanto oiá aquela rivista de Paris, ondinoite”. E agora, que estou no curralinho, e ao saber que ela está na cozinha, cuidando das coisas, ao ver a fumacinha na chaminé, eu paro de puxar as tetas da vaca Candinha pra voltar a sonhar. Sonho acordado, eu e ela, minha caipirinha, minha mineirinha, minha princesa, monamú, nós dois, naquele mundo encantado de Paris, Paris, Paris!