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quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

No fim, só dá saudade


De começo, da janela a manhã órfã de vento e sol. Dá poesia, mas não com os súbitos de uma esquina que tomba em outra igual às peças do dominó. Ideal para o que quero, seria ouvir-se dos ares da manhã “Pour Élise”, e eu me rodasse para o céu, à procura das notas Si: Si Bemol, Si-Si maior e me-nor, e ela a sorrir para mim, volitando entre os acordes de Beethoven.

Mas, não.

Então paro, respiro, e daria outra poesia para ela se as árvores pegassem a falar sobre tal ou tais primaveras de outros tempos, e se não houvesse nos rostos apressados a mão colada na boca para sustentar outras bocas aber-tas.

Ah!

Mas, os pássaros, cadê os pássaros, meu Deus, os que sempre foram tra-pezistas no espaço brumoso para me ajudar com o lápis e o caderno? E essa sirene, aonde vai parar com a urgência de ontem, igual aos dois cãezinhos de olhares fundos a me perguntar distantemente se sou o companheiro deles? Não há rumores de amor Não há, e parece que tudo vive como se não tivesse nascido. Igual à poesia que quero, mas que não me mostra o seu atalho. Queria uma poesia assim, assim para ela. Uma que não cheire a Ah, não! Não queria ir para o meu quarto, recolher-me em mim, porque aí, no fim, só dá… É, é isso mesmo: saudade.


segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Recado

Pelo feixe do luar,
prateados nossos beijos idos à noite,

nossas mãos entrançadas,
a selar o segredo do amor em açoite.

Pelo tempo impreciso,
procissão pairante da lerda saudade

que me prende a corrente
e me solta às astúcias da tempestade

da falta de você…
Pelo lasso de não mais lhe ser lembrado,

Deixo-lhe, ó, deusa (em vão?),
tão remissivo e rogativo recado:

por um feixe do luar,
no alpendre do álamo da mi’a nova vida,

guardo, cuido a você
nossos beijos idos à noite… Ó, querida!


A "pedido" de um coração esquecido e que, creio, vive à “estação de chegada” da sua nova vida. 


sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Mentira!

 

De bodoque e bornal, cabelo testa abaixo e olhos da cor da esperança, dei giro pela Vila. Passei na calçada de quem me queria, e eu nem aí. Voltei no rastro, entrei na quadra e na rua seguinte para passar ao alpendre da casa de quem eu queria, e ela nem aí. Passei rente, a rasgar o braço, porque ela estava e estava ao alpendre.

Olhou-me, primeiro para o bodoque e o bornal, enquanto eu queria que ela me visse como caçador pronto para caçar o nosso namoro, e segui. Na praça da igreja, os buritis apinhados de passarinhos, o sacristão e o padre, me viram. O sacristão, que isso… matar passari-nho? Me dá esse bodoque, dou não, é meu, e nos rolamos. Rasguei o beiço dele à unha, e com a mesma arma ele rasgou a mi-nha testa.

O padre nos apartou, me mandou embora, e voltei pela calçada dela. Ao me ver sangrando, e eu queria um ribeiro de sangue no meu rosto, ela levou as mãos à boca — oh! —, e me convidou a entrar, a sentar no seu banco de alpendre. Daí, que pensei ganhar um beijo da minha deusa, ela entrou na casa, veio com tesoura, cortou em pedaços o meu bornal, as gomas, segurou um pauzinho da forquilha, eu noutro, e adeus, bodoque.

Dias depois, a vi à janelinha do expresso, ela a se mudar para a cidade grande. Foi quando meus olhos perderam o verde da esperança, e as minhas esperanças de muita coisa, ó….

Agora, cinquenta anos depois… Mentira! Gritei comigo, ao vê-la pela Internet.



sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Encosto

Causo: O Coração Desarranjado do Jãozé


A casinha dele
é frutinha do Alto da Serra,
pau-a-pique verde,
e do lenhafogo estala os beijos de Si-si.
 
Pelas telhas de sonho
se vê do outro lado.
E doutro lado da Cheia que entra,
a sua Deusa Si-si virá vestida de railua,
cheirada de amor.  
 
Aí, a matitaperê 
cantou no cacto da vida de Jãozé.
Pau-a-pique secou,
a lenha se molhou,
a Cheia se gorou.
 
Si-si virá, viria, veinão.
 
Nhássó,
benzedeira do Riachão,
no seu camim a Jãozé,
arruda, licrim, guiné.
Ramim não desramou por espinha-caída,
por pingo de cobreiro,
por tico de mauoiado.

Não.
 
Arruda chorou,
guiné murchou,
licrim secou,
por encosto... de amor.
 
 
Observando uma casinha sem morador.
Andrequicé, Três-Marias, Minas Gerais, setembro de 2021.

 

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Quem Sôi Nóis...

 

Sôtõezim, na casa do seu compadre Sêo Zé Afonso. Ele é padrinho do Traque, irmão do Duca, os dois amigos do Poêra. São meninos de nove para onze anos que se irmanam com um papagaio falador, de nome Zeca, e saem pelo campo e desce e sobe o rio a nado e fazem balanço de cipó sobre o riozinho.

Sôtõezim, ao café, quer saber do afilhado:

— Compadre, quede o Traque?

Sêo Zé Afonso corre as mãos no rosto:

— Verdade, compadre, num sei. Falei coa muié que, quem pode coeles, é só o Saci. Eles se juntam e saem poraí, afora, fazendo bobage. Sobe morro, desce morro, pé de manga, de goiaba, mergúia, pega peixe coa mão, mexe coas éguas, coas cabras do vizim, e antonte o Traque descuidou e a mãe dele viu que ele escondia coisa dentro da carça. Foi ver, era uma carcinha queles ensinaro o Zeca a roubá das cordas de secá rôpa, e a muié inda quis queu fosse adevorvê a coisinha… Ói, ocê vê! O negóço, compadre, é que já tou a ponto de pegar o chicote e dar jeito ne-les…

Do breve silêncio da conversa, Sôtõezim arremata:

— Ara, compadre! Quem sôi nóis de pegá valentia cos meninos, sô. Se assuntá direitim, nóis tem deles é inveja enrascada com sodade, num é? Larga os menino, compadre! Quem sôi nóis…


Arraial d'Ajuda, setembro de 2021.