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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Os palitos de picolé

Cochilou no banco da pracinha, ao clamor de chuva das cigarras; porém o movimento de alguém no banco o despertou: foi o de uma menina-moça, que ali se sentou para chorar.
O rosto escondido pelos cabelos, e o impertinente inspirar pelo nariz, não o deixaram alheio ao desgosto que ela vivia. “Perdão, menina. É coisa de namoro?”.
       Sem olhar para ele, ela balançou a cabeça que não.
     Um tempo para assobiar uma modinha, olhando as ruas e a ela, de rabo de olho, e ele soltou a pergunta com a qual acertaria em cheio: “Ideia de deixar a família, fugir de casa?”.
     Ela balançou a cabeça que sim, e ele procurou no seu baú de vida a tangência que encolhesse a sua ideia; que a reduzisse ao pingo do i no espelho do céu: “Vamos comer picolé?”.
     Ela hesitou, mas balançou a cabeça que sim. E que comeram picolés, ele lhe pediu que quebrasse um palito. Ela o fez; porém não quebrou quatro palitos, um sobre outro: “O que quer dizer com isto?” – ela soltou a voz cansada de choro.
    Ele falou da sua vida, do refúgio  ao colo da mãe nas noites de tempestade, da segurança que tinha ao lado dela, do pai e dos irmãos. E que a mãe e o pai e os irmãos se foram para o outro plano de vida, ele sentiu na alma o choque da sensação de desamparo; choque que ainda lhe corria na alma.
       ―  Tá.  Mas por que eu quebrei  os palitos de picolé?
       ― Sem  família  –  ele disse,  calmamente. – a gente é frágil que nem um palito de picolé; mas com a família a gente é forte que nem quatro palitos de picolé, um sobre outro.
     No silêncio, entre eles, a mocinha, pensativa, escorou-se no banco, arrumou o cabelo bonito atrás das orelhas e, olhando para a figueira, cochilou. O velhinho a acompanhou nesse soninho e, ao acordar, viu que dela ficaram quatro palitos de picolé no banco, um sobre outro, amarrados por fios de cabelo. Aí ele abriu um ar de sorriso e se foi para casa.



sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A saudade à luz de vela

Caro amigo,


SIM, eu sei, e sei por prenda possuída o que é a saudade, porque aprendi o que é o amor – como um menino, que precisa aprender sobre o vento para saber da sua pipa no céu. Ah, a saudade! Que energia contínua a correr no fio das nossas vidas! Intrometida, entra nas minhas noites e faz da feição de alguém a espuma do meu travesseiro; e o sorriso dessa feição ainda é os arbóis dos meus dias. Ah, amigo, eu muito sei da saudade! Como o sei! Ela, se se faça em um vir a ser sem pausa, atiça a sensação de estar-se parado em um ponto sem saída. Vivi isso, a comprar a saudade por um dote, à face da letra, quando o beija-flor deixou a flor, e a flor parou na vida até um passarinho lhe abanar as pétalas com as asas. Mas, e isso eu lhe digo submisso à herança que um amor me deixou, a saudade é de vários conceitos, e vastos são os caminhos para entendê-la. Uma hora, ela é grande como o mar, inavegável; outra hora é um descampado imenso sem o risco do horizonte, sem casa de morador; intransitável. E periga, quando uma alma não se contém aos súbitos e existenciais inesperados, posto que se faça, também, em um tipo de vento que sopra abrindo caminhos que logo se entortam e descambam para fendas em que a vida se pode mergulhar. La’lguma vez, amigo, ela abrasa como o sol intolerante, e é gélida como a minha cama ou um poço recoberto de sombras. Agora, à luz da vela atenta à cabeceira da minha insônia, a saudade é-me álgida; tal à sensação de vazio, posto que o vazio se faça em mim pela simples falta de levar as mãos de alguém aos lábios e beijá-las com a leveza da vontade. E os lábios, sequiosos por murmurar a alguém o que segura há tempo, deixará escapar o “eu te amo” que a saudade cuidou de guardar.


Bom ano-novo, amigo.