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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O Vô Viraonça e a onça de verdade

JOÃO Vítor tem oito anos, um redemoinho no lado direito da testa, outro no esquerdo da nuca. A professora, que é madrinha, disse, à moda do povo antigo, que, pelos redemoinhos, ele deveria ser destro, mas é ambidestro; que seria travesso, e o jeito foi inventar o adjetivo “ambitravesso”; que seria inteligente, e isso ele é passado da conta; que seria amante da Natureza, quer dizer, que ia adorar correr pelos campos, espantar os animais no pasto, subir em árvores e nadar nas cachoeiras, que é, justamente, a vida que ele está levando, neste momento, aqui no sítio dos seus avós.
     Mãe e madrinha, as duas ficaram bobas de vê-lo entrar no jipe do Vô, sendo que tinha estreia de circo; um circo com tudo que ele gosta: pipoca, algodão doce, trapézio, onças, elefante, globo da morte, anões, palhaços... E João Vítor, ó, nem aí para o circo. Também, a mãe e a madrinha não fisgaram a saudade que ele sentia do Pitoco, seu cãozinho que vive aqui, de gritar para o peru, de dar milho à Dora e seus pintinhos, e de tirar leite da Candinha. Além, é claro, da saudade das quitandas e da comida da vovó, e da carona de sono que pega na cama dela, entre ela e o vô.
     Uma coisa que ele conta, e muito, é com as brincadeiras, as meninices do Vô. Como diz a Vovó a seus botões: “Um tem 80, outro 8, e eu não sei quem tem menos ideia”. E por falar em ideia, olha a ideia que o Vô teve para este dia: vestir a fantasia de onça-pintada que ele fez só para passar medo em João Vítor e Pitoco, quando eles entrassem no mato para o netinho ver ninho de passarinhos.
     O Vô foi de meninice mais esperta, pois fez o cálculo certinho das ações de João Vítor e seu cãozinho: eles correriam atrás do cavalinho Moreno, no pasto, João Vítor se balançaria no balanço do pé de manga, com Pitoco nas pernas, daí iriam nadar no poço da cachoeira para, em seguida, entrar no mato, à caça de ninhos. E quando eles passavam no caminho do mato... Urrr, Urrr, Urrr, numa moita fechada.
    Pernas pra que te quero, e o colo da Vovó. Como a Vovó bate o açúcar até virar rapadura por ele, contou-lhe a travessura do Vô. Vovó dedo- duro... Nunca vi. Agora sabendo de tudo, João Vítor foi de meninice tal à do Vô, pois fingiu certinho que estava com medo. E o Vô, cara mais lerda, o abraçou à cozinha, dizendo: “Ora, tenha medo não; o Vô taqui para proteger você e Pitoco...”.
     Dia seguinte seria a mesma coisa. Acontece que, do poço, os dois, João Vítor e Pitoco foram comer não sei o quê que a Vovó chamou. E quando eles estavam no bem-bom, comendo não sei o quê, acho que biscoito frito, o Vô chegou com a língua de fora, segurando o coração. É que quando o Vô estava amoitado, à espera deles, uma onça de verdade, e destamanhão, ó, surgiu no mato, fazendo com que abrisse a venta pra casa, rasgando os braços nos espinhos.
     Mas, foi nada não; sabe por quê? Logo chegaram uns homens e a polícia, e laçaram a onça. É uma onça mansinha, que escapuliu do circo; pega não. Daí, o bom que a Vovó achou foi João Vítor chegar ao Vô, deitar a cabeça no seu peito e lhe dizer: “Ora! Tenha medo não Vô. A gente taqui para proteger o senhor viu?".

7 comentários:

  1. Que vovô bonzinho e criancinha! Quem será mais esperto Joâo Vítor ou o Vô? Não importa. O que vale é a construção do texto, narrativa perfeita em que os personagens principais nos surpreendem a cada momento. O vocabulário apropriado também se sobressai na construção do texto.
    Agora só me resta parabenizá-lo. Beijo. Márcio

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  2. Falar que seu textos são incríveis é chover no molhado. Sou sua fã! Gosto demais de ler seus contos,crônicas.Parabéns, Márcio!

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  3. Ah, Márcio! É muito bom ler você. A gente se vê criança! Abraços, caríssimo amigo e parabéns por mais uma maravilhosa obra. Ysolda

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  4. Olá, Márcio. Que bom que a onça era mansinha, e que o Pitoco estava lá para proteger o avô! Muito bom, amei ler!

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  5. Você é como as crianças sempre nos surpreendem. Um belo texto que sempre me leva ao passado. Obrigada por ter a oportunidade de ler você. Carinho da amiga Cida.

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  6. convivência cheia de vida. bonito.
    abraço.

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  7. Ah, que delícia! rsrs... Bom demais! 10 pra você!

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