O QUARTO lhe era um campo vazio e álgido; e no teto, onde a luz mórbida do abajur testemunhava a sua obstinada insônia, outra imagem a sua mente não moldurava que não a dela sorrindo à frente de um girassol.
A
propósito, em tudo se abria um caminho que o levava a ela: nos trovões e no flash dos raios distantes, nas gotas da
chuva que, impelidas pelo vento, se chocavam com os vidros da janela e, mais
ainda, no silêncio do seu cãozinho companheiro que se exilou no quintal.
Não
só seu companheiro, mas também as flores no quintal exalavam o perfume do
degredo. As rosas e os jasmins, que ao tempo dela odoravam a casa inteira, agora
que regadas pelo orvalho da saudade, iam-se secando a um cheiro acre de coisas
perdidas.
Tudo
lhe era nada, sem ela. Um novo livro, que prometia recrear o espírito,
depois de perder o enredo, perdeu, também, as letras, ficando ao pé da cama, à
mercê do nada. Tal o livro, que deixou de ser livro na sua extensão, ele perdeu
a sua inteireza, o que só se viveria com a força e as cores da presença dela.
Ah!
Que sevícias na alma, posto que a saudade pesasse demais no seu coração! Se saísse
à janela a pedir ao céu tréguas para sua dor, a lua, tal uma imensa bola de
espelho, refletia o que lhe saía do coração: a imagem dela sorrindo à frente de
um girassol.
Que
aflição de saudade!
Foram
estas as últimas letras que lhe saíram de um suspiro. Depois de fechá-las num
envelope, e fechar este na mão, ainda conseguiu cerrar os olhos, por certo já
estirado no chão da sala.
No mais, alguém quebrou o triste silêncio, sugerindo
que a rua em que ele morava, e que não tinha nome, passasse ao nome marcante de
Rua da Saudade.
Prazer poder ler um bom texto. Obrigada por essa oportunidade. Cida.
ResponderExcluirOlá marcio, vc escreve mt bem. seus textos sempre passam algo para refletirmos. Um dia de luz e paz p ti!
ResponderExcluirLindo texto,bem inspirado, como sempre! Recebi teu email e vim te procurar.Achei aqui! Agora te acompanho! abraços,chica
ResponderExcluiras vezes a falta do nosso grande amor nos sugere a morte...
ResponderExcluirUm abraço
Ivany
Linda, prosa, Márcio. O tempo todo, lembrei-me daquela canção do Roberto: "As flores do jardim da nossa casa morreram todas de saudades de você!"
ResponderExcluirGosto demais do Márcio encantador de crianças de todas as idades, mas me vejo obrigada a me render ao encanto desse poeta que descreve com tal beleza a angústia de um momento tão visceral, ao ponto de nomear uma rua.
ResponderExcluirA saudade é o sentimento mais paradoxal que existe.Ora nos deixa em profunda alegria,ora nos mergulha em profundaa tristeza.
ResponderExcluirNum gesto qualquer, num livro que se leia, ela sabe priorizar sua presença. No imginário, ela produz acordes tristes, fazendo com que o nosso coração chore,sentindo a falta de alguém que marcou presença em nossas vidas.
Linda prosa poética. Parabéns, Marcio.