Do cantar aflito de uns pneus, o baque, a vida do lugar vergada ao peso da tristeza, a alma de uma mãe em retalhos sem cor, ela sentada na rua com o filho inerte ao colo, às lágrimas fartas.
O filho, o garoto Deco, luas e sóis agora entregue à cama. Dorinha, a metade dele da vida de brincadeiras, velava-o em preces e carinho. Às vezes, ela saía à rua, palco dos seus folguedos com Deco, e, plantada para o céu, via a pipa do amiguinho a subir, subir, a bailar, bailar na sua figuração. “Seu pensamento voa mais que a minha pipa, hein, Dorinha?”, ele a provocava, no imaginário.
Com Deco à ponte entre dois mundos, a rua ficou sozinha. Coisas que eles viveram à sombra da vida, o cofrinho da mente de Dorinha desguardava. Coisas de somenos, mas que raros tiveram de mais. Coisas puras, sem o uso de agudeza para entende-las, e que nas suas pausas, Deco tirava do sem mais nem menos: “Dorinha, me dá um beijo?”
Agora, ao toque da Ave-Maria, Dorinha saiu de vez à rua. Forte, a segurar o rosto, o choro, o ficar em vão, mas sendo fiapinho de nuvem pra segurar o mundo que havia tecido com Deco, o mundo que pendia para o nunca mais. Então a mãe de Deco chegou, feição carregada de trabalho, besta de carga da tristeza, e pegou-lhe os braços: “Dorinha... Dorinha, e o Deco?“
Dorinha mordeu o lábio, não disse nada. Guardou consigo o Deco ter-se erguido da cama com outro corpo, um translúcido, um levíssimo, um luminoso, e beijar-lhe o rosto em lágrimas. Então, respondeu-lhe com um beijo ao “Dorinha, me dá um beijo?”, e o viu sair-se ao que lhe estava por vir, deixando para trás o corpo das brincadeiras de rua.
Agora, Dorinha se mudou de casa, pra uma casa sem rua. Dorinha se mudou de muitas coisas, menos do olhar pro céu, do buscar Deco no céu, nos entre os voos dos pássaros, nos entre os raios do sol, nos entre os raios da lua.
¡Hola, Marcio! Historia triste pero hermosa vida de los niños, y un hermoso viaje de Deco a una nueva vida. Amo, amo, amo tus textos, amigo. Beso, Stell.
ResponderExcluirWanda Morbeck
ResponderExcluirLi, dei um beijo de adeus ao Deco ! O amor continuará noutras esferas né mesmo ? Meu beijo
Shirley Vaz
ResponderExcluirmarcou com +1: DORINHA, ME DÁ UM BEIJO?
Lindo! Mesmo lindo de verdade.
ResponderExcluirhttp://umraiodeluzefezseluz.blogspot.com - Algarve
Vera DelPuente
ResponderExcluirBonito mas triste,chorei ,não quero ser Dorinha....Já passei por isso
Mariana Oliveira
ResponderExcluircurtiu isso: DORINHA, ME DÁ UM BEIJO?
Rafael Borges
ResponderExcluirCurtiu isso: DORINHA, ME DÁ UM BEIJO?
Coisas que só o amigo Márcio poderia escrever. Mesmo sendo um momento triste, tem o que há de mais lindo na vida, "o amor". Adorei! Carinho da Cida.
ResponderExcluirOlá Márcio!
ResponderExcluirTriste, mas uma bela escrita como sempre. Parabens pelo belo dom que tens!
Feliz Dia dos Namorados.
Beijos.
Vera Lúcia Duarte
ResponderExcluirmarcou com +1: DORINHA, ME DÁ UM BEIJO?
Uma trama de intenso lirismo tecida e timbrada com o estilo indelével do poeta prosaico, Márcio Buriti, a quem aplaudo sempre!
ResponderExcluirLunogfer
ResponderExcluirTriste mas belissimo!
Parabéns!
Beijos.
Vera Lúcia Duarte
ResponderExcluirmarcou com +1 DORINHA, ME DÁ UM BEIJO?
Fiquei aqui a ler e a emoção toma conta do ser, um conto que pode não ser baseado em fatos reais, mas acontece sempre, é bem real e Dorinha ainda teve uma grande bênção, talvez pela pureza de seu coração, lindo Marcio parabéns abraços Luconi
ResponderExcluirPoético, triste e belo ao mesmo tempo. Eu me emocionei... Parabéns!
ResponderExcluirLuconi Marcia Maria
ResponderExcluirDeixei meu comentário em sua casa, mas não podia deixar de parabenizar aqui também lindo demais, abraços
Maria Mineira MarcioBuriti Texto,
ResponderExcluirseu texto é triste e bonito ao mesmo tempo, me fez lembrar do Dito, irmão do Miguilim, quando partiu...Veja esse trecho que eu gosto muito:’ E o Dito também não conseguia mais falar direito, os dentes dele teimavam em ficar encostados, a boca mal abria, mas mesmo assim ele forcejou e disse tudo: – ‘Miguilim, Miguilim, eu vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegre, mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo. A gente deve de poder então ficar mais alegre, mais alegre, por dentro!’ ”
Vera Lúcia Duarte
ResponderExcluirmarcou com +1: DORINHA, ME DÁ UM BEIJO?
Bom dia, Marcio. Um dos mais lindos textos sobre a morte e a perda que já li. Pungente e doce, ao mesmo tempo.
ResponderExcluirÂngela Santos
ResponderExcluirVc coloca doçura até num amor triste. Bjao.
Belo!!Difícil conter as lágrimas...Bom dia Márcio, e uma ótima semana, bjs, Van.
ResponderExcluirCeiça Lima
ResponderExcluirmarcou com +1: DORINHA, ME DÁ UM BEIJO?
Caro Márcio, esta é uma crônica das mais comoventes. Parece que vejo a angústia de Dorinha a embalar o frágil filho já inerte na solidão da rua. Parabéns por tão brilhante criatividade e um grande abraço.
ResponderExcluirFlor Morenna
ResponderExcluircurtiu isso: DORINHA, ME DÁ UM BEIJO?
Que delicadeza de história, triste, sensível, rica em sentimentos que só quem tem a alma de poeta consegue descrever com tanta doçura. Amei!
ResponderExcluirLia Fragmentos De Cotidiano
ResponderExcluirMuito belo Marcio. Você como sempre tocando o coração da gente.
Julia Viana Lianatins
ResponderExcluirMagnífico seu conto poeta MarcioBuriti Texto,triste mais muito bem escrito,parabéns pela criatividade! Um abraço de paz,Liana.
E com que beleza algo que poderia ser só triste foi contado. Um encanto que chega a dar um nó a engasgar a palavra. Mais um show!
ResponderExcluirMorte cruel e impiedosa!. Deixa filhos órfãos, mães sem filhos e tenta acabar amores eternos.
ResponderExcluirUm simples beijo pode amenizar seu efeito, mas ela sempre é vencedora.
Deco com sua partida deixou vazio na vida das pessoas que o amavam.
Texto espiritualista que nos comove ao tratar do tema.
Parabéns querido, Márcio.