Mãos enfiadas na jaqueta e olhando pra calçada até a confeitaria. Isso, todo dia e a hora em que a estrela da manhã se recolhe: pouco antes das 6h. Se se atrasasse, Analuísa, a balconista, entrava em colóquio com seu relógio do pulso:
Ah, o que há, hein? Também você tiquetaqueia muito... Se ele se demora, e que chega, você deveria parar... Parar de tiquetaquear e dormir; como as estrelas que, já indolentes de tanto piscar, garram no sono... Aliás, o tempo deveria parar.
Mas ele chegou. Com a aura do inverno, mas chegou. Ele não faltava às compras matinais; como não falhava o remoinho em Analuísa, agitado pela sua presença. Mais: Se esse it se fizesse em voz, freguesas e confeiteiras se estilhaçariam de despeito, ao ouvirem: olhos nenhuns o olham como os olhos de Analuísa.
Embora ainda não tivessem seus flertes o sabor ao gosto daquele homem, Analuísa juntava os pedacinhos de tempo com ele, à espera que o cupido, na sua maestria, um dia fizesse deles o palco da sua alma; o palco do qual seria ele a ribalta. Que esperança! Um dia, e outros dias, o sonho em vão: ele desapareceu.
Dois andares até o apartamento lhe pareceram um degrau. A porta entreaberta, a anunciar que o dia entrava por janela descortinada, animou Analuísa a encontrá-lo. Qual o quê! O desarranjo, um papel escrito, caído ao pé do sofá, com texto não enviado, encheu-lhe o peito de vazio.
Leu:
Volte! Não me deixe. Não me abandone. Esqueçamos os golpes dos porquês. Sol há de se fazer, se dos nossos momentos algum insistir na neblina. De corações dados, abriremos ao tempo um caminho, caso ele volte a teimar em se perder para nós. Ainda é vez de nos fazermos nuvens de uma chuva que cairá sobre o nosso amor como pérolas dos golfos do mar. Volte! Tento pensar e pisar seus rastros, mas eles se diluem... É como estar na areia sob o vento que os apaga como borracha às palavras. Escrevo-te, mas nem o vento sabe aonde levá-las a ti. Ao primeiro gesto da manhã, eu tenho dela a estrela e a moça dos confeites, que me dá o seu olhar. No mais, sou eu; no nada. Volte! Não me deixe. Não me abandone.
Um degrau abaixo lhe pareceu uma escadaria ao centro da Terra. Antes de pisar o próximo, Analuísa se apoiou no corrimão e olhou, por instante, à placa pendurada na porta do apartamento, como a dimensionar o seu sentido: “Aluga-se”.
Lindo e triste canto sobre os mistérios dos encontros e desencontros do amor!
ResponderExcluirObrigado, bonita e excelente Cronista!
ExcluirBuriti mi amigo! Es precioso. Bueno, bueno, bueno! Abrazo! Stella.
ResponderExcluirGracias, Stella! Frio aí?
ExcluirLindo, lindo! Como sempre, você, meu amigo, arrasa!!!
ResponderExcluirLinda é a sua presença, Aninha! Muito obrigado. Beijo!
ResponderExcluirOlá, Márcio. Teu texto é lindo e comovente... o coração dele já tinha dono.
ResponderExcluirMuito obrigado pela presença, Ana!
ExcluirSempre faço uma boa leitura quando venho aqui. Na vida sempre temos os encontros e desencontros, faz parte. Tenha uma boa tarde!
ResponderExcluirQue gostoso ler seus textos, tem sentimento e alma. É envolvente. Meu carinho e parabéns Márcio.
ResponderExcluirParabens Marcio, voce é um contista de primeira.Conceição Gomes.
ResponderExcluirBoa noite Márcio, um conto que encanta pela sensibilidade ao dissertar sobre sentimentos. Beijokas de boa noite
ResponderExcluirNossa, quanta poesia há nessa prosa! O texto não enviado é de grande beleza. Sensibilizam-me seus contos. Abraço.
ResponderExcluirSaudade dos teus contos! Envolvente demais este último. Grande abraço.
ResponderExcluirBonito, triste, mas de uma ternura comovente. Bom demais te ler. Abraço.
ResponderExcluirÀs vezes precisamos fantasiar o amor para que nossa alma não sofra com seus caprichos. E até quando dura a fantasia? Até o infinito? Não creio. Um dia a razão nos abraça e nos conduz à realidade, mesmo que ela seja cruel.
ResponderExcluirLindo conto! Emocionante! Construído até com certo suspense.
Parabéns, querido Márcio.
Envolvente, emocionante o modo como você, Márcio, faz-nos percorrer os degraus da alma para ver descortinar a ribalta de sonhos e fantasias iluminando de esperanças renovadas o palco do coração. Brincando de magia com as palavras, o encantamento é sempre o mesmo despertando emoções sempre renovadas. Meu carinho te beija as mãos!
ResponderExcluirUm mergulho na alma. Num conto pra lá de poético.
ResponderExcluirMeu Deus, e foi por tão pouco, hein? Ah, que a vida é assim, aos desencontros. Tomando o café... Joia, isso!
ResponderExcluir