QUER VER uma coisa? Quer mais alegria, que a do pezinho de
samambaia rodeado de irmãozinhos no barranco do corguinho, a se balançar o dia
todo ao toque da barra da saia da água? Quer? E a alegria do Bigui, o bicho preguiça
da menina Isabelita, que gastou um século pra chegar ao mamão madurinho, e
agora está lá, vivendo só para o mamão? Quer? Eu quero: a alegria que toma
conta do menino Pedrinho, quando eles vão para o sítio, é maior que toda
alegria. É, mas é!
Não dá nem pra
contar nos dedos o que no sítio faz de Pedrinho alegria pura. Frutas e
passarinhos, nó... Nem se fala! No rio ele pesca, dá de ponta e passeia de
canoa; e na estradinha ele corre com Miúcha, a cadelinha da mãe dele. Ah, e o
sol tira a manhã, parece, só pra vadiar sobre a estradinha. E mais: há a
casinha de um velhinho do rio, na beira do rio, onde ele dorme, às vezes, pra
ouvir as suas histórias. Ih, ainda tem a mata, imensa, cheia de bichos. É um ó,
xap, xap, toc, toc, grrr, grrr, oúúú, dia e noite.
E aí, na mata, cedinho,
porque Pedrinho gosta de sentir o friozinho da mata no amanhecer, ele deu de
cara com um cão deitado ao pé dum ipê; um cão fincado de carrapicho, e triste. Pedrinho
olhou para ele, estalou dedos, e o cão, que se havia erguido, voltou a se
deitar. “Ei! Qual o seu nome, hein? Você tem nome? Tá com fome é? Hã!? Não, você
não tem tipo de mau... Venha! Vamos pra casa... Venha! Pode vir”.
Mas, em casa,
naquele dia e em todos: “Pedrinho, não!”, ralhou a mãe. “Tá vendo? A Miúcha...
Olha aí: a Miúcha não quer esse pulguento aqui... E nem eu, nem o seu pai, nem
ninguém.”. “Olha aí, como a Miúcha está estressada... Ah, não! Some com esse
cão daqui, e já!”.
Em quem Pedrinho
confiou para que o cão dos matos pudesse ficar ali, no sítio, foi contra: “Tenho
de sacrificar esse cão, filho. Sua mãe não o quer aqui, por causa da Miúcha... E
ele não vai embora. Além disso, ele não vale tostão. Entenda meu filho: vou ter
que matá-lo”.
Matar o Ipê?!―
Pedrinho chorou. ― E por falar em Ipê, onde ele se havia metido? “Há dois dias
que não aparece aqui. Graças a Deus!”, disse a mãe. “E, por falar nisso,
continuou a mãe, cadê a Miúcha?”. Foi um entra e sai, na estradinha: “Miúcha!
Miúúúcha!”.
Agora, nada de Ipê, nada de Miúcha, nada de
Pedrinho. Ah, de Pedrinho sim; eles o ouviram gritar ao fundo do quintal.
Acorreram aos
gritos de Pedrinho e se estacaram junto a ele para assistir a uma imensa cobra,
que, erguida, rodeava Miúcha, encantando-a. Estavam a uns piscares da morte de
Miúcha. Aliás, eles estavam vírgula, porque, um corpulento animal
inesperadamente saltou de dentes de fora sobre a cobra: foi o Ipê.
Foi o Ipê que se
enrolou com a serpente; que mordeu e repicou-a nos dentes; que a partiu ao meio;
que a matou, salvando a pequenez Miúcha. Daí, fraco, Ipê se aproximou de
Pedrinho e se deitou aos seus pés. Picado pela cobra, Ipê fechava e abria os
olhos para Pedrinho até que os fechou para não mais abri-los.
Agora, feche os
olhos pra você ver Pedrinho sentado na beira do corguinho. Você o vê? De vez em
quando ele faz assim: de saudade de Ipê, ele se senta aí, e fica a olhar para
um pezinho de samambaia que, rodeado de irmãozinhos, fica a se balançar, o dia
todo, ao toque da barra da saia da água.
Dedico essa historinha à amiga de Gerais, a prosista,
a “causista”, a cronista Maria Mineira.