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A
vovó é uma santinha, de tão branda e simples na ponta do sofá; uma flor de
carinho se abrindo à historinha que Gabriela toca e empaca:
“Sabe
meu outro Vô, hein, Vó? Ele que contou a historinha de um vozinho, o Vô Tico. Contou
que Vô Tico morava no asilo e, daí... Como é mesmo, mãe?” – você, envolvida com
o bolo, responde, e ela toca a historinha:
“Ah, é.
Vô Tico, já bem vozinho, se vestiu, pôs gravata, pegou a bengala e fugiu do
asilo, dia escurinho. Daí ele chegou numa rua... Sei o nome da rua: Rua
Descalça. Não é, mãe?”
– você diz que sim, e ela continua.
“Vó, a
senhora entende? Ah, bom... Daí é assim: Vô Tico se senta à porta de uma casa,
que a mulher da casa lhe deu cadeira, leite com café e bolo. Sentado, e a olhar
a Rua Descalça, ele dorme. Não é, mãe?” – você diz que sim, e ela toca a
historinha:
“Dormindo, Vô Tico vê a
rua cheinha de crianças. Deco joga com o Cico o jogo do Papão... Sabe esse
jogo, hein, Vó?”
– a vovó diz que não com a cabeça e Gabriela ri, com a mão na boca, de a vovó e
nem ela saber que jogo é este. Daí continua:
“Na
calçada, a Cida joga a Amarelinha com a Cássia. E, Vô Tico, dormindo, fala: Que gracinha é o cabelo da
Cassinha a voar, quando ela salta de um número a outro... Que gracinha!” –
agora Gabriela olha o teto e recorre à mãe: “Maeê! E agora?” –
você responde, e ela toca a historinha:
“Ah, tá.
Aí, Vó, sabe o Pula-Corda? Quem bate a corda pra Marina pular é a Rita e a Dorinha.
E Vô Tico fala, dormindo, que a mãe da Marina está na janela, do lado dum
vasinho de flor, e de queixo caído com a beleza da Marina.
“Ah, e
tem o Tinim... Quase que esqueço. O Tinim é o rei do Pião. Gente grande, que
não sabe brincar, faz roda pra ver Tinim jogar o Pião. O Pião faz assim ó,
zummmp! Faz assim, cai no chão, roda, roda, Tinim o pega na palma da mão, e aí ele
morre...
Agora, lá vem o Tonico... O
Tonico dá linha à pipa, e a pipa sobe, sobe lá em cimão, no céu. Aí, as
rolinhas, com ciúme de a pipa estar bonita no céu, voam zupt pra bicar a pipa. Só
que o Tonico, esperto, puxa a pipa pr’aqui, pra cá, e as rolinhas caçam outro
rumo... Coisa boa!
Daí...
Daí... Mãeê! ― você ajuda, e ela finaliza a historinha. ― Ah, tá. Daí a gente
do asilo chega e leva Vô Tico. Nó! Vô Tico põe os pés no asilo, e a vovó Ciinha,
que mora lá, quer-lhe dar bengalada nas pernas porque ele fugiu. ― agora, Gabriela e vovó riem juntas. ― É de
mentirinha, Vó. Vovó Ciinha acha é bom, Vô Tico lhe dizer: E quando eu, Tonico, encostei a minha pipa no céu, sentei-me na Rua
Descalça pra ver você, Cassinha, pular a Amarelinha... Que gracinha, o seu
cabelo a voar... Que gracinha!”.
Bom,
a historinha da Gabriela acabou; mas a sua, mãe, hã-hã: é que você sai à sala
com a mão na testa e diz chorosa à vovó: Ai
de mim, quando a Gabriela pega a contar historinha! Não há-de ver que me
esqueci do Pó Royal, e o bolo já está no forno? Ah, não!
Aos
vozinhos que poetizam momentos nos asilos com seus sonhos de criança. A bênção,
vozinhos.
Que lindo Márcio, mais uma vez, adorei te ler, parabéns! abraços, ania...
ResponderExcluirMeu poeta, seus contos são tão meigos, tão doces. Quanta viagem " de volta " a gente faz com amarelinhas, pipas e outras travessuras. Muito bom ler você. Meu beijo.
ResponderExcluirQue fofo! Vamos lendo e imaginando o vô dormindo e as crianças brincando na Rua Descalça. Gostei muito! Abraços!
ResponderExcluirO bolo pode até não ficar fofinho, mas que ficou uma delícia essa estorinha...ahh..isso ficou...sempre uma delícia ler-te Márcio! Abraços sempre!
ResponderExcluirQue delícia! Acho que serei como este avô: fugirei do asilo! Bom dia, Márcio!
ResponderExcluir''... e a pipa sobe, lá em cimão no céu'' ... Márcio Buriti, sabe que me vi agora nessa turminha aí a brincar de amarelinha e tentando jogar pião, ao mesmo tempo em que, gostaria de ficar soltando pipa? Pois é! É isso o que você faz com todos nós seus leitores. Obrigada, de verdade.
ResponderExcluirBom dia, querido amigo! Cada conto que leio, o retorno à infância, a inocência dos atos e a enorme saudade que tenho no coração. Esse texto me remete ao tempo em que brincar na rua era coisa normal... Encontro diário após o colégio! Tempos que não voltam jamais! Marcio Buriti, obrigada por não deixar morrer a criança que existe dentro de você! Maravilhoso dom de escrever... Amei! Beijos e boa semana! Márcia Ramos
ResponderExcluirAs crianças nos encantam e você faz com que a gente volte ao passado e recorde essas coisas boas onde a gente era feliz de verdade. Obrigada amigo e um prazer poder ler seus contos. Carinho da Cida.
ResponderExcluirEsta é comovente, Márcio. Adorei!
ResponderExcluirAi! Vc quer acabar comigo, encantador de crianças de todas as idades, com esses seus textos lindos e doces sobre bichos, crianças e velhinhos! Diz agora como eu vou explicar aqui no trabalho esse lápis escorrido de lágrima dos olhos, diz!? Adorei!!
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