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quinta-feira, 2 de maio de 2013

Debaixo do colchão do Tinim



TINIM tem doze anos... “Tenho doze anos”, ele escreveu e guardou debaixo do colchão, “porque o tempo tira a gente de um lugar que a gente não quer sair. Por que ele me tirou dos dez, se Aninha me disse que eu iria ficar velho pra ela se saísse dos dez anos?”.
            ― Está vendo, comadre, em que pé a coisa está? Olha só o quanto de coisa, debaixo do colchão... ― disse a mãe do Tinim a sua irmã, também madrinha e professora dele. ― Está vendo a evolução do seu aluno e afilhado e sobrinho?
            Olha esse aqui... ― a madrinha pediu atenção à irmã:
            “O Padre disse que Deus está em todo lugar. Se é verdade, Deus é minha mãe, porque, além de ser que nem formiga a passear pelas minhas coisas, achando que minhas coisas é mel ou doce, eu a sinto até no campinho, na hora de defender pênalti”.
            ― Eu, futricando? Eu, formiga? Eu, Deus? Ah, Tinim! Bom, deixa... Vamos ver o que há neste envelope.
            “A professora disse que a mulher já nasce mãe. Não nasce, porque no coração de mãe há um poço de coisa em cima de coisa: é beijo na testa, em cima do agora não; é abraço quentinho, em cima do pode não; é historinha na cama, em cima de orelha torcida; é picolé de goiaba, em cima de jiló e quiabo... E, no fundo, bem no fundo, é o perdão, em cima dos meus pecados...”.
            ― Eu disse que a mulher já nasce mãe? Eu?!
            ― Disse ou não disse professora? Bom, olha este aqui:
            “Mãe, para mim, tem papo com Anjos. E algum Anjo é dedo-duro. É, mas é. Então, por que ela me puxou pelo braço ao quarto e quis saber se eu tinha feito cocô, hoje? Antes que eu respondesse, ela me lascou a pergunta sobre quem havia feito cocô num pé de tênis do Deco, meu colega, na piscina do clube. Antes que eu dissesse a verdade, ela me lascou um olhar daqueles, e eu já fiquei de castigo. Uai, se não foi um Anjo dedo-duro, quem foi então?!”.
            ― Ãã! ― disse a mãe à irmã. ― Eu me lembro, sim... Eu sabia... Alguma coisa me dizia que havia sido ele... Ah, Tinim!
            Mãe e madrinha, as duas, prontamente, ergueram o colchão do Tinim, em busca de mais escritos. Havia, sim, e muitos, presos por clipes; mas a mãe optou pelo envelope do lado da cabeceira. Nele, havia uma pintura a óleo do seu rosto, em moldura fina, protegida por pedaços de papelão. Sobre a telinha, meia folha com palavras do marido, há meses no plano espiritual, assinada por ele e Tinim:

“Os avós, e os pais, são luzes e nos valem muito. Os parentes, os amigos e os animais de nossa casa são luzes e nos valem muito. Mas você, rainha, minha mãe e do Tinim, você é luz de tal grandeza, que vale por outras luzes e tudo mais.
De quem te ama muito, nossa mãe!“

          Emoção, lágrimas, mãe, madrinha, e as coisas do Tinim debaixo do seu colchão, quietas. Emoção, lágrimas, madrinha e mãe abraçada ao filho no meio da sala. “Tinim”, a madrinha mandou dizer, “Tinim entregou à mãe, no radiante Dia das Mães, como combinado com o pai, a pintura do seu rosto. E eles ficaram abraçados, no meio da sala, até o marido e pai voltar para o seu plano de vida”.


14 comentários:

  1. Emocionante... eles sempre nos surpreendem. Obrigada por ter a oportunidade de ler você. Carinho da Cida.

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  2. Lindo Márcio, muito lindo...como tudo o que você escreve...
    Abraços da Izabel Christina

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  3. Hello Burity! Beautiful history. Hug, USA.

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  4. O seu texto ficou muito bonito e conseguiu escrever de um jeito muito encantador. Beijo
    Maria Céo

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  5. OI MARCIO!
    EMOCIONANTE!
    UM TEXTO COM UMA BELA MENSAGEM DE AMOR, VAI NA CERTA AGRADAR A TODOS QUE O LEREM.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  6. Que delícia descobrir esse seu cantinho ( através da página da Nana Okida, no recanto) vim correndo ler suas escritas e matar as saudades, continuam encantadoras! Abraços Márcio!

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  7. Que lindo! Tudo fica para trás diante de uma demonstração de afeto entre mãe e filho. Abraços!

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  8. Mãe é tudo isso mesmo, Márcio, parece até que você também tem coração de mãe. acho que porque o de pai é igual. Lindo conto, como sempre.

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  9. Ah, Marcio, ninguém escreve com esse seu jeito terno! Sempre que leio você alguma coisa de sua mente brilhante me leva ao tempo de menina. No texto em tela, não foi diferente. Igual ao Tinim eu também guardava meus escritos e outras tralhas, não debaixo do colchão, mas dentro de uma frasqueira ( você sabe o que vem a ser uma frasqueira?) Mamãe, certa ocasião desconfiou que ali havia segredos que não poderiam ser só meus e tomou uma decisão, a qual na época me chateou bastante. Hoje, sei que ela fez muitíssimo bem. Mas, essa é uma história que conto depois. Grande abraço! /// Vou compartilhar,claro!

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  10. Comoventes as tuas letras. Sempre um prazer ler-te! Abç carinhoso, Cintia

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  11. Homenagem cheia de ternura à mãe-mulher, muitas vezes tão sacrificada e tão incompreendida. No seu texto, a pureza da criança nos leva à infância querida e às lembranças do amor de nossas mães. O amor de Tinim por sua família nos desperta para a valorização de nosssos entes queridos. Lindo, lindo. Parabéns, Márcio.

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  12. Encantado meu amigo. Com certeza, és único neste estilo infantil, não há quem se aproxime de você, teu estilo é fantástico. Um abração, mestre.

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  13. Num dia como o de hoje, querido poeta, Dia das Mães, você me arrancou lágrimas de uma ternura comovente! Como sempre, suas palavras carregadas de magia também são "luz de tal grandeza, que vale por outras luzes e tudo o mais"! Meu carinho te abraça.

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