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quarta-feira, 3 de junho de 2015

Ao pé de goiaba

      O banco dele é o que tem à frente o canteiro de miosótis e a fonte luminosa. Vai ali para ler livro ― e cochilar, e até sonhar. Aí, um dia, um menino de uns doze anos saltou-se ao seu lado.
     ― Quer conversar?  ―  o  menino  disse, de cara.
     ― Estranho, isto  ― o velho foi pragmático. E disse consigo: “Eu, hein? Nesse mundo de hoje...”
    ― Estranho, não ― o menino insistiu. ― Só saber do senhor, em menino. O senhor namorou?
     ― Se namorei?!
     Um menino com esse assunto, ainda mais à primeira vista, foge aos padrões. Mas pela paz que escapulia do verde sobressaído dos olhos dele, o velho deu linha à pipa da sua indiscrição:
     ― É, namorei. Escondido. Tinha a sua idade. Como você se chama? Toím? Ué! Eu, Antônio. Mas em menino, Toím também. A sua casa tem quintal, Toím? Ah, é? No meu quintal, também três pés de manga. Que mais? Ah, a minha mãe também não iria ficar sem jabuticaba! Que mais? Goiabas? Vermelhas?! Olha só! O meu quintal, Toím, era o seu sem tirar nem pôr. O meu namoro? Ah, está bem, eu te conto. Bom, era a Verinha... Olhinhos de jabuticaba. O cabelo, preto também. Encaracolado. O meu pé de goiaba, quase ao muro; o dela, também. A gente subia neles e trocava olhares entre as folhas. Um dia, ela sussurrou uma coisa, e eu fui pelo galho que nem um mico; mas que ia tocar os dedinhos dela, o galho se quebrou e eu ganhei essa marca aqui, ó. Ah, você também tem uma cicatriz! Hã? Nem me lembra, Toím! Foi numa triste manhã. Um caminhãozão levou Verinha e seus pais, de mudança. Daí eu subia ao pé de goiaba pra chorar. Acredita? Parece que cortaram o meu mundo e só ficou o meu irmão pé de goiaba. Um dia, que enxuguei os olhos com a gola da camisa, eu a vi. Mas foi o vultinho dela e, aí Toím, ó, nunca mais. Toím! Toím! Ei, Toím! Cadê...
      Toím sumiu. Evaporou-se? O velho não mais o viu. Aliás, ele acha até que Toím foi só um vultinho; que nem o de Verinha. Um vultinho do seu eu, menino; do seu eu, Toím, e só.






30 comentários:

  1. " A gente subia neles e trocava olhares entre as folhas." Coisa boa é ler quem nos dá essa chance: a de construir fielmente as imagens. Essa frase me deu esse momento bonito. Os olhos escorregam na delicadeza, na ternura desse relato de Toím e se deixam levar por suas lembranças... Tão íntimas, tão alegres, tão doces. Muito bacana, Marcio!

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  2. Nossa Marcio, que coisa mais lindaaaa. nossa, o final, que isso, que lindoooo. Beijo, obrigada.
    Ellen.

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  3. Marcio, você é especial com as palavras. Logo imaginei que ele estava a recordar. Quanta sensibilidade na elaboração do texto! Belo!

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    1. Que beleza de presença! Obrigado, fotógrafa e poetisa Lene!

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  4. Que lindo Marcio. Diálogo sincero torna estória em história, eu acho. Meu carinho sempre. Beijo

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  5. Você é mágico com as palavras, Márcio! Muitos parabéns, viu? Sou sua fã de carteirinha.

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    1. E como é que me sinto, tento com fã de carteirinha essa excelente poetisa Ysolda? Graças!

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  6. Simples e mui belo texto! Parabenizo-te, Marcio! Beijo.

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  7. Jorge Lemos
    marcou com +1: 'AO PÉ DE GOIABA"

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  8. Helder Gonçalves
    marcou com +1: 'AO PÉ DE GOIABA"

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  9. Olá Márcio,

    Interessante que durante a leitura fiquei imaginando que se tratava de um diálogo entre Antônio e seu 'eu' menino (Toím).
    Lindeza de conto e de texto.
    Você nos presenteia com deliciosas leituras.

    Ótimo final de semana.

    Abraço.

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  10. Bom dia Márcio linda inspiração! Encantado e bem-vindo encontro. Um ótimo fim de semana! Abraços, Van.

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    1. Agradabilíssima a presença dessa "rainha da sensibilidade", poetisa Van. Obrigado, Van!

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  11. Naná Santos
    Simples e mui belo texto! Parabenizo-te, Marcio! Beijo.

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  12. Belo e muito poético, como sempre, querido amigo! Obrigada por compartilhar!

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    1. Grato pela leitura e comentário, Rosangela. Sua participação é muito importante para mim.

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  13. Rosangela Jacinto
    Muito lindo seu texto, Márcio. Obrigada!

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  14. Adrianna Ressurreição
    marcou com +1: "AO PÉ DE GOIABA"

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  15. Erica Alcantara
    marcou com +1 "AO PÉ DE GOIABA"

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  16. Ana Helena Prata
    marcou com +1: "AO PÉ DE GOIABA

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  17. Oi Márcio, que beleza de texto! Li a sua Prosinha no Recanto das Letras, e agora quero repassar o seu blog de leituras agradáveis. Beijo, Daniele Lopes.

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  18. Que coisa mais linda,Márcio!Te ler é sempre uma viagem linda! abraços, tuuuudo de bom,chica

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    1. Obrigado, Chica! Ótimo receber sua visita e comentário! Abraço!

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  19. Marilene Duarte
    marcou com +1: "AO PÉ DE GOIABA"

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  20. Estoy de tu blog mediante la indicación de Stell. Este texto primero me cautivó, porque usted tiene una manera muy única de la escritura. Me gustó mucho. Beso, Alejandra García.

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  21. Boa noite, grande encantador de palavras e de corações! Que belas reminiscências transitam pela nossa alma ao ler sua deliciosa e tão sensível prosa poética! Sabe que é bem assim mesmo? Estou certa de que não só na idade senil, mas bem antes dela, os Toins e Mariazinhas nos visitam, à sombra das adormecências, teimando em despertar nossos olhos interiores em recantos supostamente abandonados. Amei! Beijo na alma.

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  22. LIANATINS POETISA
    marcou sua postagem com +1

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  23. Mariana Alejandra
    marcou com +1 AO PÉ DE GOIABA

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Que bom receber seu comentário! Ele será publicado. Obrigado!