Para Hélio Lemes de Oliveira Neto
A sala de escrever era a sombra da goiabeira. Pé no chão, ponta do lápis feito boba no caderno, o menino Helinho tinha os olhos descansados na Dora, que ciscava alto, rodeada de seus pintinhos.
Roía-se pra que o anjo da guarda o empurrasse no poço das ideias; aí ele daria braçadas no trabalho escrito que a Tia marcou. Mas aí que’stá: o lampejo que faz o lápis correr no caderno, estava frio. Culpa do canário que cantava no pé de amora que nem um maluquinho? Ou de um grilo, que se lamentava nalgum canto?
“Epa! Peraí!”. Deu-lhe estalo. “Lamentar? Peraí... Lamento não é o avesso da esperança? Hein, Dora?”. E a Dora, ciscando alto, não lhe deu confiança. “De esperança é que o povo deste mundo vive, não sei quem falou”.
Daí, que um louva-a-deus pousou a sua frente, ele remendou a prosa com a Dora: “Deste mundo. Não do mundo Louva-a-deus que a gente acaba de criar, não é Dora?”. E a Dora, ciscando alto, não lhe deu confiança.
Aí o anjo da guarda desceu, e o lápis perdeu o breque pelo caderno:
No novo mundo Louva-a-deus não há fome, pois a terra ― respeitada que nem uma mãe ― dá muitos frutos e raízes e folhas que as pessoas comem até. Todo mundo fala do mesmo jeito e não há guerra, pois todo mundo é da mesma família.
O sol do verão de Louva-a-deus não é tão quente; por isso, a minha mãe não me lambuza de creme, nem usa o seu chapéu feião nos passeios. Também, o inverno não é tão frio; por isso, a minha mãe não fica me esfregando o lenço no nariz, achando que ele está escorrendo. Minha mãe tem cada uma!
As escolas de Louva-a-deus são coloridas e limpas. Não há buraco no quadro-negro, escorpião no pátio, e a merenda não é só arroz-doce; eca! A diretora não tem cara de jiló, não dorme à mesa, e a Tia não faz greve porque anda sempre de sapato novo.
Bom, há muito o que falar do novo mundo Louva-a-deus, mas a Tia passou que fosse de poucas linhas. Mas dá pra dizer que as matas dão muita comida aos animais, que eles vivem sem brigas, que as pessoas não os matam para comer... Não é, Dora?
(Esta parte aqui, abaixo da linha, a Tia não pode ler. Senão ela vai dizer que sou mentiroso. Vai, porque eu disse que as pessoas não matam os animais para comê-los, perguntei à Dora “Não é, Dora?”, e ela parou de ciscar e ó, “crocorócrocoró, me respondeu que é, sim).