JOÃO
Vítor tem oito anos, um redemoinho no lado direito da testa, outro no esquerdo da
nuca. A professora, que é madrinha, disse, à moda do povo antigo, que, pelos
redemoinhos, ele deveria ser destro, mas é ambidestro; que seria travesso, e o
jeito foi inventar o adjetivo “ambitravesso”; que seria inteligente, e isso ele
é passado da conta; que seria amante da Natureza, quer dizer, que ia adorar correr
pelos campos, espantar os animais no pasto, subir em árvores e nadar nas
cachoeiras, que é, justamente, a vida que ele está levando, neste momento, aqui
no sítio dos seus avós.
Mãe
e madrinha, as duas ficaram bobas de vê-lo entrar no jipe do Vô, sendo que
tinha estreia de circo; um circo com tudo que ele gosta: pipoca, algodão doce, trapézio,
onças, elefante, globo da morte, anões, palhaços... E João Vítor, ó, nem aí
para o circo. Também, a mãe e a madrinha não fisgaram a saudade que ele sentia do
Pitoco, seu cãozinho que vive aqui, de gritar para o peru, de dar milho à Dora
e seus pintinhos, e de tirar leite da Candinha. Além, é claro, da saudade das
quitandas e da comida da vovó, e da carona de sono que pega na cama dela, entre
ela e o vô.
Uma
coisa que ele conta, e muito, é com as brincadeiras, as meninices do Vô. Como
diz a Vovó a seus botões: “Um tem 80, outro 8, e eu não sei quem tem menos
ideia”. E por falar em ideia, olha a ideia que o Vô teve para este dia: vestir
a fantasia de onça-pintada que ele fez só para passar medo em João Vítor e
Pitoco, quando eles entrassem no mato para o netinho ver ninho de passarinhos.
O
Vô foi de meninice mais esperta, pois fez o cálculo certinho das ações de João
Vítor e seu cãozinho: eles correriam atrás do cavalinho Moreno, no pasto, João
Vítor se balançaria no balanço do pé de manga, com Pitoco nas pernas, daí iriam
nadar no poço da cachoeira para, em seguida, entrar no mato, à caça de ninhos.
E quando eles passavam no caminho do mato... Urrr, Urrr, Urrr, numa moita
fechada.
Pernas
pra que te quero, e o colo da Vovó. Como a Vovó bate o açúcar até virar rapadura
por ele, contou-lhe a travessura do Vô. Vovó dedo- duro... Nunca vi. Agora
sabendo de tudo, João Vítor foi de meninice tal à do Vô, pois fingiu certinho
que estava com medo. E o Vô, cara mais lerda, o abraçou à cozinha, dizendo: “Ora,
tenha medo não; o Vô taqui para proteger você e Pitoco...”.
Dia
seguinte seria a mesma coisa. Acontece que, do poço, os dois, João Vítor e
Pitoco foram comer não sei o quê que a Vovó chamou. E quando eles estavam no
bem-bom, comendo não sei o quê, acho que biscoito frito, o Vô chegou com a
língua de fora, segurando o coração. É que quando o Vô estava amoitado, à
espera deles, uma onça de verdade, e destamanhão, ó, surgiu no mato, fazendo
com que abrisse a venta pra casa, rasgando os braços nos espinhos.
Mas,
foi nada não; sabe por quê? Logo chegaram uns homens e a polícia, e laçaram a
onça. É uma onça mansinha, que escapuliu do circo; pega não. Daí, o bom que a
Vovó achou foi João Vítor chegar ao Vô, deitar a cabeça no seu peito e lhe dizer:
“Ora! Tenha medo não Vô. A gente taqui para proteger o senhor viu?".