Aninha Rezende Ceccato
As crianças (era um dia não muito distante), por certo saíram às suas janelas, assim que o dia se clareou para elas, e perguntaram: “Cadê o mundo que estava aqui?”.
Sim, Aninha assim se perguntou ao vidro da sua sala e enumerou as ausências: a moça, a que passava toda manhã com a sua cadelinha Teca e acenava para Aninha, cadê elas? O papagaio que pousava na árvore de frente para a sua sala, ao qual ela deu o nome de Zeca, e quando ela saía para saudar o dia ele se pegava na maior prosa engrolada; cadê o Zeca? Por ali, passava uma professora com seus aluninhos em escadinha da idade, e Aninha os comparava à pata e seus pa-tinhos a caminho da lagoa; cadê eles? Também havia um vovô que vendia pipoca no seu carrinho bem de frente à sala em que Aninha fazia os seus trabalhos da escola... Espera: e a escola, cadê a escola e as “tias” e os meus amiguinhos?
O Anjo da Aninha (em um dia não muito distante) responderá à sua protegida o que ela tanto quer saber. Talvez a resposta caia como à que ela deu ao seu pai e à sua mãe: depois de assistirem, ao chão da sala, aos desejos concedidos pelo Gênio, em Aladdin, ela falou, de imediato, dos seus:
1.º : Brincar amanhã e sempre de Barbie com meus amigos, na piscina da Vovó;
2.º : Que o papai e a mamãe trabalhem todo dia e sempre, daqui de casa;
3.º : Que em lugar nenhum do mundo tenha o Corona nem outras doenças.
Eu poderia falar do silêncio do mundo, mas prefiro entrar no silêncio dos pais de Aninha, depois dos três desejos dela. E para quietar e secar a lágrima que subiu ao cantinho dos olhos, a mãe foi estourar outra pipoca. Aninha se pôs ao vidro da sala, e, com a mãozinha cheia dos enormes grãos estourados, acredito que ela foi ver se o Zeca estaria ali, na árvore de frente.
[Textos na Quarentena, 2020]