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sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Ninguenzinho

     Ao suspiro do vento, as folhas caem. Aqui, como no morro acolá, que faz pose pro céu, o inverno segue com a peripécia de despir os galhos.
   Dormem as árvores, acordam as aves para  as sombras a beira-rio. O que fica é um insosso de sem cantos e voejos. Passa tangará, passa viuvinha, passa canarinho... Só não passam os pios de pranto de um pintinho, o Pio-pio-ninguém, que diz o morador; o Ninguenzinho, que diz meu coração.
     Ninguenzinho plange a dor aos fiapos de sombra de uma roseira pelada. Chega, espicha o pescocinho e fica a bulir a cabeça que nem ponteiro de relógio; decerto sem ver a hora de fazer a festa do cisco com a mãe e os irmãozinhos. Qual! Seus pios de pranto não se revelam além da linha do seu abandono.
     A vida tem dessas parecenças. Há anos, deu-se o abismoso de uma mãe renunciar ao filho, ainda em panos, numa lixeira de rua. Agora é o Ninguenzinho a sofrer o rejeito. E ele pia que pia pelo terreiro, e cada pio é um pontinho do seu coração a se secar.
     Mas é que a vida gosta de voltejo e ardileza: o filho largado foi ter-se com uma senhora num asilo, e, se no olhar se brota um trato, ela se foi para a sua casa. E ele lhe foi todo cuidado, espargiu-lhe carinhos de filho com imensa falta da mãe ― e não é que ela fechou os olhos para esta vida sem a coragem do “perdão, filho, por ter-lhe dado à lixeira?”
     Ao suspiro do vento, as folhas caem. Aos pios de Ninguenzinho, se cai o pavio do viver, se encaixa mais e mais, por ardileza da vida, o seu convívio com a mãe. No olhar do morador transparece esse preciso: a mãe ao fundo do quintal, largada pelos franguinhos, quiçá mordida por um réptil, quiçá picada pela solidão, recebe o encosto de Ninguenzinho, que lhe bica na asa como a dizer “estou aqui, mãe.”
     Até lá, passa tangará, passa viuvinha, passa canarinho... Só não passam os pios de pranto de Ninguenzinho.


39 comentários:

  1. Nossa, Marcio! Nem sei o que dizer, se lindinho, tristinho, e ainda aquele encontro do filho com a mãe, nossssaaaa. Muita ternura e emoção. Tadinho do Ninguenzinho. Ótimo texto, beiiiijo.
    Marcela Silviet

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  2. Olha, li, parei para pensar em tudo e veio a lágrima. Nem sei quanto tempo não lia um txto assim, nem sei. Lindo! Nota 10 pra você. beiiijo!

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  3. Marinalda Ávila
    curtiu NINGUENZINHO

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  4. Olá escritor Buriti, que coisa mais bonita, rapaz. Seus textos são um melhor que o outro, abraço.
    Carlos Moraes S. Teixeira

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  5. Realmente você é 10! Bonito demais, Marcio. Bjo!
    Larine C Luz

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  6. Lindo, lindo, lindo. Parabéns!
    Ellen S. Ximenes S.

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  7. Que coisa linda, nossa! Texto para ler muitas vezes, obrigada.
    Ana Augusta

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  8. Bom dia Marcio, teu texto tem uma profunda conotação sentimental pertinente ao reino animal, parabéns, bom final de semana, abraços.
    Vera Regina Cazaubon

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  9. Emocionante, boa literatura, bonito. Parabéns.
    Paula Brito

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  10. Muito bonito, Márcio. Você escreve muito bem. O encontro de filho e mãe foi demais. O Ninguenzinho também dá emoção, tadinho. Beijo.
    Thamar de Mello

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  11. Poético, bem escrito, a vida de um pintinho abandonado se comparando com um abandono de pessoa. Um espetáculo de texto. Harmônico, bom de ler. Abraço.
    Carlos Gregório Silveira

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  12. Oi Marcio, você escreve muito bem, viu? Estou sempre aqui nos seus textos. Beijo, amigo.

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  13. Olá, Buriti, que texto ótimo de ler, cara. Cheio de ternura, de vida simples. Muito bom mesmo. Abraço,
    Paulo R. Júnior

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  14. Bonito mesmo. Muito bem feito. Bjo,
    Paulianna M. T. Moura

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  15. Muita ternurinha. Gostei. Abraço,
    Pablinne Luísa

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  16. É ler e ficar por conta da beleza do texto. Sem comentário, Márcio. Muito bonito. Beeeijo!
    Cristina Curitiba

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  17. Muito bonito. Como seus textos, mais um para a coleção de boa leitura. Abraço.
    Danilo Viça

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  18. Buriti como dói este abandono .bonito e triste este texto
    Meire Oliveira

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  19. Vanda Lucília
    curtiu NINGUENZINHO

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  20. Vera Del Puente
    curtiu NINGUENZINHO

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  21. Marcio até que enfim consegui acessar os comentários por aqui, nos três ultimos contos não consegui, enviava os comentarios rodava, rodava e nada, já estava preocupada, pensava o amigo acha que o esqueci e jamais esqueceria um escritor que escreve belos contos, belas narrativas que nos coloca a pensar e a imaginar situações vividas, este como os outros é magnífico, parabéns, beijos Luconi

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  22. Esse texto tão singelo, poético e descrito com brilho literário tão belo e irretocável não dá para ser lido apenas uma vez, mas muitas vezes mais. Meus aplausos, caro Márcio, por essa preciosidade e um fraternal abraço.

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  23. Esse texto tão singelo, poético e descrito com brilho literário tão belo e irretocável não dá para ser lido apenas uma vez, mas muitas vezes mais. Meus aplausos, caro Márcio, por essa preciosidade e um fraternal abraço.
    Antenor Rosalino

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  24. Muita ternura, e relação de vida chocante. O texto é ótimo, Márcio Buriti. Abraço,
    Paulo Juret

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  25. Sempre um texto bonito, Márcio. Beijo.
    Nayara R. Santos

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  26. Você sempre nos doando beleza em forma de literatura. Gosto muito do seu estilo. Inconfundível. Beijo, menino.
    Ludmila

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  27. Talento, amigo. Você tem o jeito para a boa escrita. Parabéns!
    Éden Lourenço

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  28. Muito lindo, emocionante. Parabéns, Marcio. Beijo.
    Michelle Fonseca

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  29. Olá Marcio Buriti, de Lisbon apreciando seus textos lindos. Abraço,
    Clenio Cloud Souto

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  30. Muito legal. Vc escreve muito bem. Abraço,
    Eduarda P. Fátima Souza

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  31. Muito leal ler uma história assim. Muito mesmo. Beijo.
    Beatriz Rosa

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  32. Grande texto, grande autor. Li mais dois textos e todos muito bons. Deixo meus parabéns pelo dom de escever. Abraço.
    Danilo S. Ventura

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  33. Oi moço, de Teresina curtindo esse texto e outros textos seus tão lindos. Beeeeeijooooooo!
    Mariana Rô

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  34. Lindo, você tem o dom de escrever tão bonito. Abracinhoooo;
    Regina G. Rosa

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  35. Lindo demais! Beijo de parabéns!
    Darc C. Alcântara

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  36. Muito bem! Texto muito cheio de ternura e ensinamento. Gostei muito.
    Rodrigo Barcelos

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  37. Olá Márcio, você capricha muito nos seus escritos. Leitura agradável em todas. Beijo!
    Maria Ape Cézar

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  38. Muito bom estar aqui no seu blog, a gente não vê o tempo passar. Abraço,
    Renata Vilhene Mathias

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  39. Legal mesmo. Muito obrigada por nos oferecer lindos textos. Abraço, Márcio!!!
    Érica Regina Washington

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