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segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Atrás da cortina

Dedico esta pequena história à médium-poetisa Luconi Márcia Maria pelo seu excelente e vigilante trabalho de nos transmitir as joias literárias do Plano Superior.


ANTES que a saudade me lançasse rédeas, eis-me aos olhos com minha vila encravada entre serras, o meu berço de ar ingênuo doado pelas flores serranas, que, tendo a lua e as estrelas por parteiras, davam à luz nas calçadas nuas.
Como a me deslizar no encanto, seguindo ao estalar de dedos da emoção, desci a serra pra me sentar num banco e noutro da praça da Igrejinha de Maria. Daí, curvei-me à igrejinha e sai pelas ruazinhas desertas, de beiras floridas.
      Ali, a casa de fulano: bati palmas, o cãozinho latiu, mas não havia ninguém na casa. Ali, sicrana: o papagaio dela engrolou, mas ninguém me ouviu. Ali e ali, ali a minha casa, do jeitinho que a deixei. Então, parei instante no alpendre, torci a maçaneta, a porta se abriu, sentei-me no sofá.
      Não estranhei a porta ao trinco. Minha irmã, que cuida da casa, depois que me mudei, tem a sua pra cuidar; além disso, na vila não havia ladrões. Então fiquei ali para surpreendê-la, mas algo saiu errado: pessoas saltaram ao muro e forçaram a porta dos fundos. Do sofá, vupt, eu dos pés à cabeça atrás da cortina.
      Ploc, ploc o coração, reconheci a voz dos jovens invasores: “Meu, o panaca tem relójo de ôro e pulsêra.”. “Vê aí, cara, eu vejo aqui.”. “Meu, é levar e torrá, falô?”. “Falô, mas arreda essa cortina.... Mais luz no pedaço, meu.”
      Abrir a cortina? Eu me gelei. Não de medo, mas de vergonha de vê-los a me roubar; logo eles a quem eu fui uma mão na roda. Então a cortina vrapt, e, estranho, eles não me viram, e levaram as minhas coisas. Atônito, fiquei no meio da sala até que uma forma luminosa de pessoa ali se fez e me deu a mão: “Chega disso aqui, tiozinho. Há um mundo e pessoas maravilhosas a te esperar. Venha!”
      Peguei a sua mão, vim-me embora com ela pra viver neste lugar feliz, que aí na Terra é sabido por “Além”. Vivo contente com meu trabalho e meus veros e antigos e novos amigos.



sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Historinhas para um lobo

No Dia das Crianças, esta historinha vai para Lara David Céo, a Luarzinha, que, aos três anos e meio de idade, já manifesta preocupação com a caça aos animais.

UMA vez, era a casinha de Vovó Isaura, lá longe, lonjura, beira de riozinho e de mata com o verde dos lápis de pintura. E era uma menina, a Lara, jeitinho de flor e sabida, que ia ficar com a Vovó na rede da varandinha, a Vovó a destampar seu pote de historinhas.
    Um dia, a Vovó lhe dizia coisas do Socozinho, um passarinho pescador, quando se ouviu o trot-ki-trot-ki-trot duns cavaleiros. Eles gritaram à Vovó que iam à mata matar um lobo ladrão, visto por ali. A Vovó levou as mãos ao rosto: “Ah, não!”
      Trot-ki-trot, e os homens sem o lobo matar. Era de a Vovó se alegrar, pois ela tinha no coração que o lobo dali não era ladrão. “Mentira”, ela dizia, “que ele pega carneirinhos, coisa e tal, e até pintinhos em quintal. Tudo mentira!”
      Numa manhã, por forcinha  das pernas, ela não  foi com Lara à cerca da casinha. E Lara foi mais; até o riozinho, beirinha da mata. Santa Maria! E o lobo? E os tiros do caçador impiedoso? Que nada! O lobo veio de banda do rio, e Lara e ele, ó, cara a cara.!
      Lara e o lobo, ela umas coisas lhe disse, e ele saiu. Mas logo parou pra que ela o seguisse. Daí, ouviu-se adiante o aflito duns carneirinhos, e o lobo virou um risquinho, atrás. Também se ouviu o trot-ki-trot dos cavalos, e Lara correu para o lobo, a gritar que fugisse para a mata.
      O lobo fugir? Hã, vai pensando! Ele fez, foi enfrentar uns lobos loucos que atacavam os carneirinhos. E que os afastou, um cavaleiro ainda quis nele atirar; mas Lara, corajosa, sem pensar saltou à frente do amiguinho e disse: “Você não viu, que ele protegeu os carneirinhos?”
      Bom, tudo serenado, diinhas depois, olha quem se deitou no quintal de Vovó Isaura, no meio de porquinhos e galinhas... O lobo! Uh, uh! Ficou lá tempão, até que Lara chegou, lhe deu pão, se sentou à sua frente e pegou a lhe contar as historinhas que a Vovó lhe contava, na rede da varandinha.