É sábado, manhã a meio.
Viu, agorinha, um passarinho pousar na cruz, lá em cimão da matriz. Agora um menininho a gritar “olha aqui, vovó”, logo ali; aqui, do banco, ele evita o olhar dos passantes.
Perna sobre outra, braço apoiado na perna, rosto jogado na mão. Olha pro chão com o olhar tardio que, noite passada, sentado na cama, deitou nos cabides vazios.
Um pombinho, arrulhando, lhe passa sobre o pé; mas o que lhe passa, sobretudo, é a ausência continuada de alguém que conceitua a sua vida. Essa ausência é o espectro da dor que arrasta, há anos.
A noite passada foi mais um passo que não incitou outro passo. Foi, inteira, o momento carrasco em que até o vasinho de flor da mesinha do quarto lhe cansou. Passou-a sentado na cama, pausado, sem chama para abrir a janela à luz do dia.
Mas está no dia, no meio da manhã que marcou para apagar o toco da vela da sua vida. Quer fazer da praça estação para a viagem inglória por um tiro no peito. E que o relógio da matriz está para bater, tira do bolso a arma minúscula, que some na mão.
Às dez horas, dez batidas, e o tiro a sair no último blem. Então encosta o cano da arma no peito e fecha os olhos; porém, que o relógio começa a bater, é tocado pelo menininho que veio à praça com sua avó:
― Ou, vovô, como é seu nome? O meu é Francisquinho. Tenho carrinhos de corrida. Não tem ninguém aqui para brincar comigo. Brinca comigo, vovô?
O olhar pedinte do menininho, o sem saber o porquê de ele lhe chamar ao brinquedo, a perícia de guardar a arma no bolso, para jogá-la logo mais num contêiner de lixo, o impulso de uma alegria no peito, o sinal da nova vida: “Claro, Francisquinho, eu brinco com você, sim. Vamos lá.”
Agora eles brincam no meio da praça, ao meio das manhãs depois daquela manhã. E a vovó, que assiste a tudo, faz poesia de Francisquinho e seu coleguinha de vida. Aliás, a vovó assiste a tudo, à sombra de um manacá, com ares de que fez versos tão leves quanto às bolhas de sabão que uma garotinha sopra logo ali.