Ao ver a menina Ana Luísa Arruda Kunz a brincar. É dela esse texto.
QUE O DIA deu as caras, o velhinho já estava há tempo na cadeira de balanço, na varandinha da frente. Aos seus pés, a cadelinha Élen não dormia. Era o velhinho, intermitente: “Você pregou olho, Élen? Por que dormes tanto, hein, menina? Está dormindo é nada, não é?”. Sim, Élen não dormia. E como se ela lhe cutucasse o coração, ele foi rompendo seus pesares da vida: ― Sabe Élen, eu tento disfarçar a dura verdade de todo dia: onde a tal felicidade? Élen, na vida é essa ingresia... Ser feliz é uma ideia antiga, arrevesada, da qual não se aprende é nada. Não aprendi; e enquanto aprendiz, longe está o motivo de eu ser feliz. Arre! Olha as plantas, o céu, os ramos em flor. Nas cores, Élen, há rancores. E você, menina, pregou olho? Está dormindo é nada, não é? Veja: está por acabar um ninho no pé de mangaba. Por que o não terminou o passarinho? O que o fez ir-se embora, sumir, voar às vagas? É a descontência, Élen. Lhe digo: eu e o passarinho, o que não deu por feito o ninho, arcamos co’essa penitência... Mas por que você tanto late, hein, Élen? Ah, agora eu sei: é Ana Luísa que veio brincar no quintal. Brincar é sempre o seu afinal. E eu fico a pensar: donde vem o motivo de Ana Luísa estar contente? Pois ela brinca com Élen, com tudo, abertamente... Sem passado, sem futuro; brinca simplesmente. Está lá co’as flores, insetos e até com as nuvens... Agora quer acabar o ninho deixado pelo passarinho. Ó velho em ferrugem! É o que digo de mim, ao vê-la acariciar e falar às folhas; daí correr para brincar com as bolhas da água da bica. Hã! Mas isso em mim fica: Ana Luísa não força o acontecer do que deseja... Então, na minha peleja eu começo a entender o sentido de viver: toco de mim esse amargor para me juntar a eles, ao quintal. Isto, agora, é o meu afinal. Portanto, ponho-me em cores sem rancores, apanho um raminho em flor e, leve como brisa, curvo-me a ela como seu aprendido e lhe ofereço: um raminho pra você, Ana Luísa.