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quinta-feira, 13 de março de 2014

Amor e dor nas águas de março

         O velhinho da pipoca viu-os chegar na Praça das Acácias e se sentarem no banco sob uma das acácias dormidas. O homem, grisalho, o saudou cortesmente, seguido pela mesma amabilidade da mulher.
       Trajavam tecidos  leves  em cinza claro;  um pouco diferente das roupas do dia a dia. O homem, camiseta larga e calça presa por cordão; a mulher, cabelo rente à nuca, se elegantizava de brincos, pulseiras, e vestia blusa à cintura e saia comprida.
        O velhinho, para fruir da melhor sombra, aproximou-se deles com seu carrinho. Sem que intentasse ouvi-los, ouviu a mulher iniciar a conversa, depois de um suspiro:
         ― Então é  esta  a praça  que tanto falas.  Há quanto  tempo não vens aqui?
           ― Há um ano. Estive aqui diinhas antes das águas de março.
           ― “São  as  águas  de  março  fechando  o verão”,   ela  cantou  o  verso de Jobim.
          ― Linda canção. Mas a mim, águas de março me lembra um caso, disse ele, jogando a perna sobre a outra. Um caso de amor e dor. Esta praça é parte deste caso, porque aqui um homem passava horas a falar com o amor da sua vida. Fala não a tête-à-tête, não sei se você entende.
           ― Sim, entendo como falar ao telefone.
         ― Também. Mais  comumente  pelo computador.  Aqui, coisa  de quatro anos atrás, ele a viu na tela. Viu-a como se visse uma flor; e ela o sentiu como o seu primeiro amor. Riam-se dos beijos trocados na tela, e ele traçou plano, se pondo à frente dele como um pássaro a cantar na sua janela. Mas um plano, e outro, por conta dos temperos da vida, falhavam; não rimavam com o que lhe palpitava o coração. Aqui, na praça, ele fechava os olhos para ela; ela somente sua, e o mundo somente deles. Um dia, se lhe abriu o estágio acima da esperança: a verdade de se ir para ela já era mais certa que o sol. Antes das águas de março, inundar-se-ia de alegria no colo dela. Porém, o sol da sua estrada falhou, e uma enorme fenda se abriu entre eles, posto que ela tomasse o rumo de outro coração. Daí, o seu grande amor, a se ver sozinho, sem ideia de destino, entregue como um barco perdido, caiu nas águas paradas e gélidas que levam a outra vida: ele foi encontrado, de rosto sobre os braços, nalguma destas mesinhas.
       O silêncio que se fez ao seu relato foi tão dormido quanto às acácias. A mulher, comovida, deitou o rosto no seu braço, e os olhos do velhinho das pipocas receberam um pouco das águas de março. Antes de se levantarem e sair, ela, ainda tomada de emoção por aquela história de amor e dor, quis saber:
       ― Conheceste esse pobre homem?
       ― Sim. Muito. Esse homem era eu.
       Eles se foram. Aos olhos do velhinho da pipoca, conhecido por “O que vê coisas”, esvaíram-se logo adiante, e para nunca mais ali na praça.





32 comentários:

  1. hola, bueno Marcio! Mis ojos se llenaron dágua. Es una muy bella historia espiritual. Gracias, amigo! Stell.

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  2. Uma narração perfeita escrita com muita sensibilidade de um doce sentir. Abraços querido Poeta!

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  3. é....o amor aqui da Terra.. sabe afagar e ferir, com a mesma intensidade
    lindo Márcio...lindo
    Iza

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  4. Bom dia Márcio. Uma descrição perfeita das facetas do amor terreno, quando é verdadeiro ultrapassa as barreiras da eternidade, bjsssssssssssss

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  5. De uma sensibilidade sem igual. Fico feliz por poder ler mais um conto seu Márcio. Amor e dor, quem não os já sentiu? Muito lindo! Carinho da Cida.

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  6. Olá Márcio,

    Um conto lindo e que emociona. Amar demais e sem o retorno sonhado causa dor e marca a alma para além da eternidade.
    Abraço.

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  7. Olá, Marcio. Linda história... nos lembra de que algumas coisas não são para ser mesmo...

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  8. Emocionante, como tudo o que você escreve. Um abraço.

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  9. Claudio Roberto
    Parabéns caro amigo.

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  10. Regina Oliveira
    MarcioBuriti Texto com o melhor, saudades

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  11. Jesiel Miranda,
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  12. Vera del Puente,
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  13. Lenir Trautmann,
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  14. Glaucia Jose Lara Gomes,
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  15. Claudia De Oliveira Alves,
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  16. Fatima Galdino,
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  17. Marcio, como seria bom se os sentimentos sempre encontrassem guarida no coração amado, para uma dança eterna! Mas eternas, apenas as lembranças e a saudade. Muito belo! Abraço.

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  18. Vanice Zimerman Ferreira
    Belo e emociona, parabéns! Imaginei as cenas... Boa noite Márcio, abraço, Van.

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  19. Ceiça Lima
    Boa tarde amigo poeta. MarcioBuriti Texto. Parabéns pelo texto. Abraço.

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  20. Parabéns Márcio, pelo conteúdo e pelo esmero.....abraços.

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  21. Boa noite meu amigo.

    Que lindo esse conto... É, por vezes o universo parece não conspirar a favor mesmo...

    Senti como se fizesse parte da cena, a praça, os pombos, o cheiro da manteiga esquentando pra pipoca... Tudo tão lindo, amei, parabéns!

    Se cuida, fica bem... Um beijo, lu.

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  22. Nossa Marcio, excelente, me emocionei e o final foi surpreendente, parabéns abraços Luconi

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  23. Lu Mansanaris
    É incrível a tua forma de escrever... Sinto-me parte da cena, muito intenso, amei, parabéns! Um beijo meu amigo, se cuida...

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  24. Mariana Oliveira
    Lindo texto!! Parabéns Pai MarcioBuriti Texto!

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  25. Um conto de primeira grandeza. O leitor ve a cena,Conceição Gones,

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  26. Acho linda a tua sensibilidade a transbordar em teu imenso dom!

    Beijocas e linda semana pra vc!

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  27. Rafael Borges,
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  28. Ana Soares
    lindo, como tudo que escreves!

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  29. Conto de uma narrativa perfeita . Vive-se e imagina-se detalhadamente cada canto da praça e sonha-se com aquele amor tão especial. Fictício ? Real? Platônico? O autor é capaz de sabê-lo. Parabéns, querido Márcio!

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  30. Sensibilidade fluindo em cada palavra, encantando-nos a alma, povoando nossos sonhos de cenários perfeitos, personagens de mãos dadas com nosso coração e circunstâncias perfumadas de ternura! Belíssimo, como sempre, querido encantador de palavras!

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  31. Muito bom ler-te e reler-te, aprendo muito com vc! Obrigada! Abç, Cintia

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  32. Sob as acácias, o vai e vem das águas de outros marços... Marcio. Assim com essa delicadeza de contar e fazer a gente pensar no que foi que aconteceu. De tocar fundo.

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