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sexta-feira, 1 de março de 2013

Maria


LÁ VAI e vem lá Maria distraída, desvalida. Um nada nas bocas de mau gosto. Numa dessas bocas que refletem, tristemente, as almas devedoras, ela é tão-só Maria Pobre, Maria Sarjeta, Maria Sem Valor, viva em tão mísero valor dos seus brincos, pingentes, lacinhos, bugigangas na bolsa puída e nas sacolas ao ombro. A que se presta Maria? A mendigar comida e cantarolar nem a si mesma pelas ruas? Que ontem e que hoje e que amanhã será de Maria? Maria é de juntar mosquito e de juntar piolho e de juntar cachorro à barra da saia de chita. Doida? Hã! Maria que fala com outra Maria, a de Nazaré? É um cúmulo de não se sabe o quê! Se paga pra ver! Maria fala, mas é com o que juntou pela estrada da vida: cacos de coisada e anos vazios... Com sua marmita, o fogareiro de qualquer canto de parede, o travesseiro de papelão, o colchão de jornais amarelados... Com seu cobertor furado, e à luz da vela que vela seu sono em qualquer canto de parede. É com isso que Maria fala. Ora! Amores?! Que amores? Quem tão imprestável ou insano iria prestar amor a Maria? Qual! Amor é uma coisa rara. É um diamante numa montanha de cascalhos. Diamante de sete cores. A cada cor a sua dedicação. E dedicação nasce da consciência. E que consciência tem Maria, se não teve o ontem, não tem o hoje e nem terá o amanhã? O tempo para Maria é algo insosso; inteiriço. Não há etapas, nesse tempo. Não há estações. Então, vem-me dizer que a florzinha que ela ostenta no cabelo teve a sua primavera? Que é primavera? Vem-me dizer que a chuva que cai sobre ela tem o seu verão? Que é verão? Maria é um eterno passar em branca nuvem... Ou se dizia que era, pois eu bati na boca, e ainda bato na boca como os outros todos por julgar Maria. Nós, capacitados a apontar ao que é joio e trigo, julgamos mal Maria... Sim! Não é que ela, sem mais nem menos, se disparou a uma casa, invadiu-a, acenou e acenou e insistiu entrar no quarto de um bebê. No quarto, a mamãe se estacou diante da criança asfixiada, arroxeada no berço, a um piscar da morte. Então, Maria se mostrou a que se presta: tomou o bebê nos braços e sorveu da criança o que a levaria a outros sopros de vida. Maria engoliu a morte da criança, assim correu a notícia; e, por isso, Maria se fez na nossa Maria Estrela. Diga-se nossa Maria Estrela até que caia o último de nós, enquanto outros se vão brotando nesse lugar. A esses, novas gentes e ideias, Maria, que fala com outra Maria, a de Nazaré, e que está acima das nossas fraquezas e mazelas, voltará à raiz da Maria Pobre, Maria Sarjeta, Maria Sem Valor.

6 comentários:

  1. es así, la vida. Es atenta reflexión.

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  2. Nossa que magnífico conto,parabéns adorei ler e sentir que há nuitas Marias nesta que descreves.....LINDOOOOOO!!!!!!!!!!!!!! .AMEI.
    Carinhosamente Beijos Mil- Ly


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  3. Acho uma pena voce não estar mais no Recanto....-Ly

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  4. Boa noite Márcio! Você deixa aqui uma bela reflexão. Quando a gente pensa que diante da vida somos sofredores e que sabemos tudo, deparamos com senas iguais a essas que você narra e vemos que somos ingratos e que não sabemos tanto assim. Obrigada amigo por essa bela leitura. Carinho da Cida.

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  5. " Maria fala, mas é com o que juntou na estrada da vida: cacos de coisadas e anos vazios..." Crônica forte, triste e realista. Llida num domingo, logo cedinho, faz a gente querer rever os nossos '' cacos." Abraços, meu talentoso e bom amigo. Ysolda

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  6. Maria e outras mulheres personificando a humildade e o amor ao Próximo e alição de vida, principalmente.
    Muito sugestivo para homenagear a mulher no seu dia especial.
    Vilma

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