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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

De um papel dobrado na calçada











FAZ QUASE um mês que você foi embora, ou quase um mês que me fiz, sem limites, no seu ponto final de busca. Nos primeiros dias da sua partida, eu não via o escombro em que essa casa e eu me transformei como me mostra agora a verdade nua e crua. Não via, porque certo ânimo, vindo de certo vento, me encucava que você era minha e pronto e acabado. Por isso, eu saí da verdade nua e crua e voltei aos primeiros dias da sua partida, sem querer sair deles. Isso, porque além de serem os dias mais próximos dos dias em que eu tinha você, eles me foram repletos de ferrenha esperança de tudo se ajeitar entre nós. Sim! Meu vibracional se consistia em esticar o braço e puxar você dos dias em que eras minha. Assim, você daria um jeito em mim e nessa casa. Mas, voltando aos primeiros dias da sua partida, eu encarnei o espírito de Demétrius ou Spartacus, as portas do mundo se renderam à minha bravura, e eu me governei como Ancus Marcius o fez ao seu império. Para que se tenha ideia, a segurança íntima me foi tanta, mas tanta, que nada deixou de ser agradável ao meu redor. Melhor: tudo ficou agradabilíssimo com a certeza da sua volta. A começar pelos passos firmes, o rosto erguido, a posição corporal altiva de quem posa para dar a volta por cima, enquanto dar a volta por cima é tão somente ouvir de você: “oi, amorzinho, que saudade”. Fiz-me tão garboso que somente eu tinha o olhar de um verde carregado, posto que fosse essa a cor da carregada esperança de tê-la novamente. O resto do mundo, não: o resto se contentava com o olhar taciturno, voltado para o chão. Mas, aí... Ai! Aí eu acordei dos primeiros dias da sua partida para me ver aqui, nessa casa em escombros, dilacerado pela sua ausência que estraga tudo: estragou meu sono, o prazer de abrir a janela e regar a minha plantinha, e sair para um papo à toa no botequim. Estragou até a camada de fundo do espelho em que faço a barba. E olha que eu precisava fazer a barba para estar aqui, no banco da praça, e tirar a virgindade do meu caderno e lápis com alguma coisa que valesse a pena. Porém, estragado como está meu coração, o que de mim iria sair que valesse a pena? Bom seria se tivesse um final feliz, enquanto um final feliz seria tão somente transcrever o seu “oi amorzinho, que saudade”. Como isso está sob as pedras, eu arranco essa página, dobro-a e atiro-a ao vento. Afinal, quem iria querer uma coisa tão estragada assim?

5 comentários:

  1. Beleza de texto! Escreve todo dia! Prometo que venho ver todos.Muito Bom te ler! Abraço de sua amiga mineira.

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  2. Quantos papéis desses atirei ao vento, só que sem nada concluído. Bom poder ler você. Carinho da Cida.

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  3. Olá, Márcio. Coisa mais bonita! A saudade só é uma coisa boa quando temos a certeza de que o objeto da saudade voltará um dia. Caso contrário...

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  4. Suas crônicas são excelentes, carregadas de emoção e sentimentos, que chegam a se tornar poéticas.
    Um abraço,
    Celêdian

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  5. puxa vida, que bonito! se ela ler, ela irá voltar.
    abraço.

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